Boi Soberano (CHANTECLER 3125) - (1966) - Tião Carreiro e Pardinho

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A lenda do Boi Soberano é uma das mais conhecidas. Não sabemos se ela originou da canção, ou esta inspirou aquela. O importante é que o cancioneiro regional foi enriquecido com este magnifico trabalho de Carreirinho, Isaltino Gonçalves de Paula e Pedro Lopes de Oliveira, que ora dá título ao mais recente LP de Tião Carreiro e Pardinho. Aliás neste disco, a popular dupla nos brinda com um punhado de antigos sucessos de Zé Carreiro e Carreirinho, sucessos este que há muito estavam sendo reclamados pelos discófilo e apreciadores da melhor musica sertaneja. Portanto, em muito boa hora foram relembrados e gravados. Tião Carreiro e Pardinho, de estilo muito pessoal e característico, deram a melhor de suas interpretações não só na parte vocal, mas também nos acompanhamentos que eles mesmos fizeram. Observe a viola e violão de Tião Carreiro e Pardinho, são uma brasa... Afinal, é um lançamento que incluiremos na galeria dos autênticos documentários da música de uma época.

Boi Soberano
Me lembro e tenho saudade do tempo que vai ficando
Do tempo de boiadeiro que eu vivia viajando
Eu nunca tinha tristeza vivia sempre cantando
Mês e mês cortando estrada no meu cavalo ruano
Sempre lidando com gado desde de a idade de quinze anos
Não me esqueço dum transporte seiscentos bois cuiabanos
No meio tinha um boi preto por nome de Soberano

Na hora da despedida o fazendeiro foi falando
Cuidado com esse boi que nas guampas é leviano
Esse boi é criminoso já me fez diversos danos
Tocamos pela estrada naquilo sempre pensando
Na cidade de Barretos na hora que eu fui chegando
A boiada estouro, ai só via gente gritando
Foi mesmo uma tirania na frente ia o Soberano
O comércio da cidade as portas foram fechando
Na rua tinha um menino de certo estava brincando
Quando ele viu que morria de susto foi desmaiando
Cuitadinho debruçou na frente do Soberano
O Soberano parou ai, em cima ficou bufando
Rebatendo com o chifre os bois que vinham passando
Naquilo o pai da criança de longe vinha gritando

Quando viu seu filho vivo e o boi por ele velando
Caiu de joelho por terra e para Deus foi implorando
Salve meu anjo da guarda deste momento tirano
Quando passou a boiada o boi foi se retirando
Veio o pai dessa criança me comprou o Soberano
Esse boi salvou meu filho ninguém mata o Soberano

A Morte Do Carreiro
Isto foi no mês de outubro regulava o meio dia
O sol parecia brasa queimava que até feria
Foi um dia muito triste só cigarra que se ouvia
O triste cantar dos pássaros naquelas matas sombrias

Numa campina deserta uma casinha existia
Na frente uma palhada onde a boiada remoía
Na estrada vinha um carro com seus cocões que gemia
Meu coração palpitava de tristeza ou de alegria

Lá no alto do serrado a sua hora chegou
O carro tava pesado e uma tora escapou
Fui por cima do carreiro e num barranco imprensou
Depois de uma meia hora que os companheiros tirou

Quando puseram no carro já nem podia falar
Somente ele dizia tenho pressa de chegar
Os companheiros gritavam numa toada sem parar
Já avistaram a taperinha e as crianças no quintal

Os galos cantaram triste ai, ai, ai, ai
No retiro aonde eu moro, ai, ai, ai, ai

Já levaram ele pra cama não tinha mais salvação
Abraçava seus filhinhos fazendo reclamação
Só sinto estes inocentes ficar sem uma proteção
Fechou os olhos e despediu deste mundo de ilusão

Violeiro Solteiro
Por eu ter notícia de um bom cantador
E uma linda moça de nosso interior 
Pediu que eu cantasse ao menos por favor
Nem que fosse uns versos dos mais inferior
Respondi pra ela eu não sou professor
Tudo quanto eu canto tem pouco valor
Mas meus versos servem pra acalmar a dor
De um peito que sofre ingratidão de amor

Afinal de contas fiz o seu mandado
Cantei um versinho muito bem cantado
Ela agradeceu com muitos agrados
Eu fiquei contente fiquei obrigado
Cantei um versinho do cabelo ondeado
Ela também tinha o cabelo cacheado
Deu cinco suspiros e me chamou de um lado
Perguntou se eu era solteiro ou casado

Por isso que eu digo que um rapaz solteiro
Pra gozar a vida deve ser violeiro
Viajar embarcado sem gastar dinheiro
Se quer namorada tem até milheiro
Entra no salão com os olhos morteiros
O cantar sereno de dois companheiros
Na mais bonitinha bate o desespero 
Da meia-noite em diante tá no cativeiro

Menina, menina você se periga
Deixe de bobagem largue mão de intriga
Casar com violeiro é pra viver de briga
Você se aborrece da própria cantiga
Pra largar não pode porque Deus castiga
Pois eu sou violeiro e não faz mal que eu diga
Tome meus conselhos avise suas amigas
Que toque de viola não enche a barriga

Eu falo a verdade não é intimação
Nas festas que eu pego a viola na mão
Canto alguma moda é por inclinação
Toco na turina responde o bordão
Dois peitos serenos dentro do salão 
Já vê as morenas mudar de feição
Por que meus versinhos doem no coração
Quem sofre nervosa morre de paixão

Preto Fugido
Do jeito que me contaram eu vou contar bem direitinho
Que um dia o pai de Suzana saiu passear no vizinho
Suzana ficou em casa companheiro um irmãozinho
E um preto tava sondando de dentro de um capãozinho
Aproveitou a oportunidade roubou a pobre mocinha

O preto disse à Suzana veja todos os seus vestidos
Bem depressa e bem ligeiro que o momento está vencido
Que de hoje por diante eu vou ser vosso marido
A Suzana vendo isso dava suspiro doído
Ela se viu obrigada a acompanhar o preto fugido

Suzana se viu no aperto no momento ela pensou
Pegou um punhado de sal e consigo ela levou
Deixou sal esparramado por todo lugar que andou
Papai vem seguindo o sal e vem achar aonde eu estou
Justamente saiu certo como a Suzana pensou

O preto era indecente em feio estado ele estava
Já fazia muito tempo que nas matas ele habitava
Com a roupa toda rasgada quase sem roupa se achava
Cabelo tava comprido as unhas ele não cortava
Parecia fera bruta que nas montanhas morava

O preto disse à Suzana eu sou de cor, mas sou de raça
Você vai morar comigo e sem comer você não passa
Eu tenho o meu trabuco que é meu matador de caça
Não pense em fugir de mim este papel você não faça
Se você tentar fugir ai, você deita na fumaça

Pra Suzana não fugir no colo dela ele deito
Ai ele pegou no sono e seu querido pai chegou
Pois o revólver no ouvido e um tiro ele disparou
O preto tava dormindo como tava ele ficou
Tava com sono pesado e nunca mais ele acordou

Irmão Do Ferreirinha
Na cidade de Pardinho no jornal foi anunciado
Vai haver um grande rodeio e o povo foi convidado
Lá chegou um potro famoso que um peão tinha matado
Pra quem agüentasse seus pulos dez conto tá reservado

Quando eu li essa notícia o coração quase parou, ai
Por saber que o Ferreirinha esse potro é quem matou
Perdido pra aqueles campo mais bardoso  ainda ficou, ai
Pra mim foi um desafio a notícia que chegou

Dez conto é muito dinheiro, mas mais vale a vida minha
Lembrava no acontecido mais coragem ainda eu tinha
Mandarei fazer uma campa com esse dinheiro que vinha
É o derradeiro presente que eu darei ao Ferreirinha

Imaginei a noite inteira resolvi ir pro rodeio
Quando cheguei no povoado o negócio tava feio
O potro tinha jogado mais de seis peões dos arreios
Parecia até o demônio bufando e os olhos vermelhos

Quando vi o redomão já conheci sem demora
Saltei de pelo no bicho com fé em Nossa Senhora
O potro caiu três vezes sangrando na minha espora
Deu o derradeiro pulo no prazo de meia hora

O povo bateram palma com a vitória que era minha
Trouxe o potro no palanque fui buscar o prêmio que eu tinha
Perguntaram o meu nome e do lugar de onde eu vinha
Eu vim lá do Espraiadinho sou irmão do Ferreirinha

Patriota
Vinte e seis de fevereiro pra servir eu fui chamado
Novecentos e dezenove até hoje eu tô lembrado
Eu segui para São Paulo eu levei meu certificado
Me apresentei no quartel onde eu fui inspecionado
O doutor de lá me disse você vai dá um bom soldado
Segue hoje pra Caçapava seu lugar designado

Doze meses e quinze dias que eu parei em Caçapava
lugar frio e de saúde aquele lugar onde eu tava
Depois de todo esse tempo o governo nos chamava
Para ir prestar serviço que a pátria precisava
Tudo o que eu ia passar o meu coração contava
Tanto como eu padecia eu também me arregalava

De Caçapava pro Rio nós seguimos em contingente
Cento e vinte soldado e muitos cabos competentes
E nos carro de primeira ia o segundo tenente
Por quem fomos comandados uns chorando, outros contente
Uns chorava por patife outros por deixar os parente
Mas quem cair nesse artigo é obrigado a ser valente

Até hoje ainda me lembro o nome do vapor
Que nós fomos conduzidos do Rio à São Salvador
Seiscentos homens e armas fomos tomando o interior
Pra honrar a nossa farda e mostrar nosso valor
Fomos todos equipado pra garantir um doutor
Que no Estado da Bahia queria ser governador

Conheci muitos lugares no navio de passagem
Fui ver coisas que eu não via se não fosse esta viagem
Nós fizemos na Bahia quinze dias de paragem
Muitos lá até chorava vejam que grande bobagem
Quando a pátria nos chama deve ir e ter coragem
Assim como eu também fui e fui feliz na minha viagem

Saudade De Araraquara
Eu parti de Araraquara com destino pra Goiás
Quando eu vim de minha terra atravessei Minas Gerais
Eu passei Campinas triste, lagoa dos ananais
Os olhos que lá me viram de certo não me vêem mais

Fiz a minha embarcação lá na estação do Brás
Meu amor me procurava notícias pelos jornais
Eu padeço ela padece, padecemos os dois iguais
Quem parte leva saudade pra quem fica é muito mais

Eu olhei para o horizonte avistei certos sinais
Que as estrelas vão correndo deixando raios pra trás
Eu te quis ainda te quero cada vez querendo mais
Os agrados de outro amor para mim não satisfaz

O meu peito é um retiro onde meus suspiro vai
Meu coração é um cuitelo que do seu jardim não sai
Que vive beijando a rosa onde que o sereno cai
Adeus minha rosa branca adeus para nunca mais

Três Cuiabanas
Eu nasci numa data feliz, bem depois do dia dezesseis
Por eu ser um menino sem pai fui criado com titio Inês
Titio era cuiabano nessa lida também me criei
Ele era criador de gado no seu regime me acostumei
Tinha laço couro de mateiro não escapava uma rês do mangueiro
Eu deixava correr trinta dias por mês

Fiz viagem pra Mato Grosso na comitiva de um calabrês
Titio me deu um burro pampa que atendia por nome truquês
Foi tirado da tropa Rio Grande outra escolha melhor não achei
Eu deixei pra mostrar minha ciência quando lá em Mato Grosso eu cheguei
Eu bambeei as rédeas do pampa e o laço pegou pelas guampas 
Berrava na chincha o zebu jaguanês

Tinha três mocinhas na janela, Jovilhana, Clarice  e Inês
Uma delas tava me gabando paulistinha ainda surra vocês
Cuiabanos quiseram achar ruim o meu trinta na cinta eu bambeei
Pra mostra minha ciência melhor por capricho o mestiço eu soltei
Ele tinha as guampas revessas e o laço escapou da cabeça
Pelas duas mãos eu lacei outra vez 

O patrão me chamou lá pra dentro eu entrei com meu jeito cortês
Eu entrei no salão de visita lá fiquei rodeado das três
Perguntou qual era a mais bonita veja só que apuro eu passei
Respondi todas três são iguais fui do jeito que eu desapurei
A mais velha é uma flor do campo, a do meio é um cravo vermelho
A mais nova é uma rosa quando está de vez

Na hora da despedida foi preciso eu falar português
O meu coração ficou roxo foi da cor de um alho chinês
Eu deixei pra dar meus três suspiros quando o Porto pra cá atravessei
As meninas me escreveram carta brevemente a resposta eu mandei
Vou tomar a minha sorocabana quero ver as três cuiabanas
Quero ver Jovilhana, Clarice e Inês 

Sucuri
Me contou um pescador que no rio Itararé
Na barranca desse rio mora uma cobra cruel
Esta cobra quando pia tem que ver como é que é
Deixa o povo do lugar todo de cabelo em pé

Um dia eu fui pescar e levei o Zé Mané
Fomos nesse tal lugar onde o rio não dava pé
Nós topamos com essa cobra nós fizemos um maranzé 
A cobra quando viu nós de braba ficava em pé

Nós subimos o rio acima remando contra a maré
Essa cobra vinha atrás que dava arrepio até
Eu chamei por todo santo por São Bento e São José
E disse pro companheiro vá rezando e tenha fé

Onde o rio fez uma curva eu gritei pro Zé Mané
Abandonamos a canoa e amoitemos num sapé
A cobra passou direto parecia o Lúcifer
Nunca mais nós dois voltamos pra pescar no Itararé

Triste Desengano
Sou velho mais ainda tenho recordação do passado
No tempo da mocidade sempre deve ser lembrado
Eu amei uma menina e junto fomos criados
Eu ganhei seu coração o meu já tinha lhe dado
Quando nós dois se encontrava de alegria se abraçava dando suspiro dobrado

O cantar de um sabiá foi o que me entristeceu
Recordei aquela aldeia onde nosso amor nasceu
E depois de um certo tempo não sei o que aconteceu
Fiquei sem minha querida que uns tempos me pertenceu
Antes preferia a morte que ter essa triste sorte que não me favoreceu

Quem teve amor e perdeu não deve fazer mais planos
Deixei os divertimentos meus cabelos estão branqueando
Eu amei essa menina na idade de quinze anos
Tão criança conheci quanto é triste um desengano
Este peito dolorido dos golpes que tem sofrido este foi o mais tirano

Estão eu fiz esta moda no cantar dos passarinhos
Primeiro eu fiz a toada pra depois fazer os versinhos
Pra minha prenda adorada comecei cantar baixinho 
Não procurei companheiro por isso eu tenho o meu pinho
A moda de um triste assunto não adianta cantar junto preciso sofrer sozinho

Hoje eu tive essa lembrança por ser um bom trovador
No meio desses versinhos escolhi o de mais valor
Dois eu mandei de presente pra minha querida flor
Um verso leva a saudade outro vai pedir um favor
É pra ter minha querida lembrança da nossa vida saudade do nosso amor

Teu Nome Tem Sete Letras
Quem tem seu amor distante alegre não pode ser
Ninguém sabe que eu canto somente pra me esquecer
Morena eu deito na cama sonhando eu vejo você
Quando acordo eu fico triste pensando o que hei de fazer
Na distância que separa de você meu bem querer

Teus olhos são verdes claros ilumina o meu viver
Tem o brilho das estrelas na hora do escurecer
Morena cor de canela é a razão do meu sofrer
As ondas do teu cabelo como vento pega a tremer
Como as ondas do oceano aonde eu queria morrer

Morena teu lindo nome que eu não canso de escrever
A sua linda cartinha eu leio e torno a reler
Teu nome tem sete letras cada letra tem um dizer
Sete lágrimas que eu choro sete dias a padecer
É uma semana tão longa quando eu passo sem te ver

Morena eu tenho esperança e o futuro há de dizer
Que ainda vou ser feliz bem juntinho de você
Numa casinha modesta por entre as flores do ipê
Os dias serão mais lindos e a vida tem mais prazer
Nossas almas sempre unidas até na hora de morrer

Duas Cartas
Eu recebi uma carta foi meu bem que me escreveu
Abri a carta pra ler a minha coragem não deu
Só pude ler duas linhas minha vista escureceu
Ao ler a triste notícia que meu bem desprezou eu

Daquele dia em diante todo sofrimento meu
Acabou minha alegria meu viver se entristeceu
Mas homem deve ser homem cumprir o destino seu
Dei ela por esquecida e disse o derradeiro adeus

Com esse golpe doído que meu coração sofreu
Imaginei a minha vida o que será que aconteceu
Na carta não explicava que plano novo era o seu
Não cumpriu o juramento que a ingrata prometeu

Quando foi um certo dia outra carta apareceu
Na carta vinha dizendo do que fez arrependeu
Eu mandei dizer pra ela que siga o caminho seu
Procure um outro amor que você pra mim morreu

 

Músicas do álbum Boi Soberano (CHANTECLER 3125) - (1966)

Nome Compositor Ritmo
Boi Soberano Carreirinho / Izaltino G. De Paula / Pedro L. De Oliveira Moda De Viola
A Morte Do Carreiro Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Violeiro Solteiro Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Preto Fugido Zé Carreiro Moda De Viola
Irmão Do Ferreirinha Teddy Vieira / Carreirinho Moda De Viola
Patriota Carreirinho Moda De Viola
Saudade De Araraquara Zé Carreiro Cururu
Três Cuiabanas Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Sucuri Zé Carreiro / Ado Benatti Cururu
Triste Desengano Zé Carreiro / Teddy Vieira Moda De Viola
Teu Nome Tem Sete Letras Zé Carreiro / José Fortuna Cateretê
Duas Cartas Zé Carreiro / Carreirinho Cateretê
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