Tião Do Carro E Pagodinho Em Modas De Viola (GLTCD 143) - (2001) - Tião Do Carro e Pagodinho

Primeiro Brinquedo
No lugar onde eu nasci de tão feio dava medo
A nossa casa ficava debaixo de um arvoredo
Papai pra ganhar o pão ia pra roça mais cedo
Vou contar o que me lembrei com seis anos eu ganhei o meu primeiro brinquedo

O meu pai trouxe da venda um caixote de sabão
Colocou quatro rodinhas de madeira feito a mão
Fez um volante de arco e imitando a direção
Ficou bonito o carrinho fiquei falando sozinho com aquele presentão

Eu soltava ele lá em cima onde a estrada terminava
E pelo trilho do pasto meu carro desembestava
E eu vinha pilotando às vezes me atrapalhava
Dispersando do caminho o danado do carrinho outro rumo tomava

Um presente mais bonito porque é que eu não ganhava
Essa história de mamãe que pra mim sempre falava
Que nas estradas de terra Papai Noel não passava

Mas esse carrinho simples que meu pai fez de madeira
No trilho da minha vida vai rodar a vida inteira
Se a gente não for piloto vai rolar na ribanceira
Porque o carrinho da vida é feito de dor doída e não é de brincadeira

Recado De Carreiro
Quando entrou lá na fazenda o carniceiro
Pra comprar meus boias carreiros a pedido do patrão
Eu fiquei amargurado ali no canto 
Meus olhos banharam em pranto por ver tanta ingratidão
Ouvi cochicho do malvado negociante
Curioso e o Brilhante nem de graça ele não quis
Aqueles bois na cocheira ali deitado
Vai valer alguns trocados e o Malhado vale X

Se eu pudesse ir dizer que aqueles bois
Valem mais do que os dois aqui no conceito meu
O carniceiro está zombando está sorrindo
O patrão está cuspindo no prato que ele comeu
Quando escutei o negócio está fechado
Eu fiquei desnorteado minha vida transformou
Aqueles bois que ensinei deixei mansinhos
Um a um de vagarinho na carreta se ajeitou

A carreta foi saindo de mansinho
Eu fiquei escondidinho na barranca do estradão
Na esperança de mandar o meu recado
No focinho do malhado eu consegui passar a mão
O meu recado foi dizer naquele instante
Eu também daqui por diante estou esperando a minha vez
As maquinarias no começo de janeiro
Vai fazer com este carreiro o que fizeram com vocês

Primeiro Presidente
Jesus viveu nesta terra sem salário e sem patrão
Ele não cobrava imposto e nem tinha inflação
Também nunca fez comício pra ganhar uma eleição
Não almejava sucesso nem precisou de congresso pra decretar o perdão

Mas o homem tomou conta depois da remota era
Virou um covil de lobo é fera engolindo fera
É só rato de gravata aonde dinheiro impera
A ganância não termina fortuna rola propina e o pobre se desespera

Esqueceram os mandamentos que Deus deixou para o homem
Dê a água a quem tem cede dai o pão a quem tem fome
Ele vive de banquete muitos coitados não comem
Quantas crianças inocentes nascem e morrem indigentes sem batismo e sobrenome

O pobre vive quebrado igual arroz de terceira
Grandes homens do poder tampando o sol com a peneira
A miséria e o desemprego derrubam sem dar rasteira
Meu Jesus volta de novo venha governar seu povo e acabar com a ladroeira

O Imigrante
Alô, alô brasileiro meus conterrâneos queridos
Estou mandando notícia aqui dos Estados Unidos
Um grande abraço aos mineiros povo forte e destemido
Quem sonha com a fortuna sem nunca ter conseguido
Quem quer mudar seu destino mesmo sendo um clandestino e por isso é perseguido

Pelas mal traçadas linhas percebam que estou perdido
Só Deus sabe como estou e quanto eu tenho sofrido
Fugindo da imigração vivo sempre escondido
Moro num velho porão e como pão amanhecido
Ando sempre assustado eu sou um homem marcado mesmo não sendo bandido

Quem pensa em morar na América e ser bem-sucedido
Não faça como eu fiz pra não ficar desiludido
Vendi tudo que eu tinha om trabalho adquirido
Pra me arrepender depois do dia de ter nascido
Ali eu era feliz mas o destino não quis e por ele eu fui traído

O dinheiro que apurei parece ter engolido
Com passagem e passaporte compromissos assumidos
Aqui quase não trabalho não sou um homem instruído
Não passo de um quebra galho um homem desconhecido
Pretendo voltar um dia de onde eu nunca devia com a família ter saído

A Mudança
No dia que nos mudamos daquele velho sertão
A nossa mudança veio em cima de um carretão
As rodas foram deixando profundas marcas no chão
Certos detalhes da viagem eu vim prestando atenção
O carro vinha cantando e às vezes vinha chorando rasgando o peito do chão

Viemos cortando estrada cheia de lama e poeira
Lugar de águas paradas às vezes de corredeira
Lugar de estrada pensa no topo da ribanceira
O solavanco da estrada balançava a carga inteira
Pelo atalho cortou até que a gente chegou na parada derradeira

Entramos no povoado com as tralhas cheia de pó
O pequenino de colo cansado que dava dó
As folhagens de mamãe viraram uma cinza só
Os dois fueiros de lado madeira cheia de nó
Também estavam quebrados vieram bem amarrados na laçada do cipó

Fui ali que achamos falta de alguma coisa importante
Tinha caído na estrada a espingarda e o berrante
Uma enxada duas caras o xodó de um sitiante
Meu pai falou comovido eu notei no seu semblante
Encontrar é quase certo pode ter caído perto ou caiu muito distante

Foi perdendo que ingressamos a vida aqui da cidade
Perdemos muitos amigos e profundas amizades
Nós fomos perdendo tudo a própria tranquilidade
Só não perdemos a paz e a nossa própria humildade
Aprendi uma lição daquele velho sertão só não perdi a saudade

Sentença Da Paixão
O amor não tem fronteira e destrói qualquer barreira dentro do coração fica
Deixa qualquer um doente tira a fome da gente a ciência não explica
Mas pode ser o contrário quando alguém tá solitário ele é correspondido
O amor vira remédio pra curar a dor do tédio de um coração ferido

O amor não vem sozinho como a flor tem seus espinhos o amor tem seu dilema
Às vezes dá depressão quando ele e o outro não aí vira um problema
Amor não correspondido se tona um grande perigo deixa a gente no sufoco
Abala a estrutura provocando amargura deixar qualquer homem louco

O amor machuca a gente feito bote de serpente entra pela nossa veia
Vai corroendo por dentro igual um veneno lento o coração desnorteia
Já sofri por um amor me causou tamanha dor coração foi judiado
Na sentença da paixão eu quero ver o machão que nunca foi condenado

A Formiguinha
Quando eu fui prisioneiro eu recebia a visita de uma simples formiguinha
Com o tempo foi ganhando o meu afeto ela tornou-se uma grande amiga minha
Bem cedinho de plantão na grade fria ela vinha pra me ver na minha cela
Parava e passeava nos meus braços depois saía pela fresta da janela

A tardinha novamente a mesma sena ela vinha me olhava e lá se ia
Com certeza repousar na toca quente e eu ficava pra dormir na cela fria
Um dia antes de ganhar a liberdade ela não veio pra aumentar a solidão
Como miragem os meus olhos presenciavam a formiguinha atravessando o paredão

No outro dia eu já estava em liberdade lá no pátio passo a passo atravessei
Um letrei misterioso e tão bonito num carreiro de formiga eu encontrei
No letreis estava assim meu bom amigo a minha ausência lhe causou ansiedade
Eu já sabia e preferi ficar de longe pra ver de perto o teu sorriso em liberdade

Colônia Vazia
Fico muito aborrecido quando eu vejo hoje em dia
Muitas favelas lotadas muitas colônias vazias
O homem deixando a terra buscando as grandes cidades
Pra ver se ganha alguns cobres mas de tarde ele descobre quando dói uma saudade

Uma colônia vazia sobre a colina parece
Um colar de pedra branca disposto em forma de S
Desce o capim no terreiro no canto o pilão quebrado
E no telhado sem dono a coruja dorme um sono sobre o resto do passado

Onde estão os moradores desta colônia vazia
Que a noite neste terreiro tinha festa e cantoria
Na porta teia de aranha na frente um portão caído
Abandono e solidão só ficou recordação no passado adormecido

Muitos destes moradores estão nas grandes cidades
Sem dinheiro e sem emprego passando necessidade
Volta pra vossa colônia que ficou no pé da serra
Recubra o sertão de flores porque vocês lavradores são as fortes raízes da terra

O Guarda Noturno
Numa fábrica de carro que aconteceu esta história
Um vigilante noturno que só pensava em vitória
No meio dos operários ele estava toda hora
Por causa desse sujeito tem gente que ainda chora
Só vivia perseguindo para achar alguém dormindo pro patrão mandar embora

Certa noite o vigilante não se via satisfeito
Foi procurar no vestiário com o seu plano já feito
No corredor dos armários ele encontrou um sujeito
Que dormia num cantinho deitado de qualquer jeito
Vai ser meu maior cartaz quero ver esse rapaz ir embora sem direito

Pegou a chapa do moço sorrindo de alegria
Quando for de manhã cede vou entregar pra chefia
O operário calado nada pro guarda dizia
O guarda estava feliz vou ter uma melhoria 
Com este fato ocorrido eu posso ser promovido a chefe da portaria

O guarda no outro dia foi falar com o doutor Mário
O chefe do escritório para ver lá no fichário
Encontrei alguém dormindo lá dentro do vestiário
Empregado vagabundo é um ladrão de salário
Se chama José Rossetti dormiu em cinquenta e sete é a chapa do operário

Puxando a ficha no arquivo veja o que aconteceu
Doutor Mário desmaiou a ficha o guarda que leu
Olhando a fixa de luto o guarda enlouqueceu
Carimbo feito de sague do acidente que sofreu
Quem dormia no vestiário já mais será operário faz dez anos que morreu

Joãozinho Da Favela
Menino pobre é o Joãozinho da favela sua vida é uma novela se eu contar ela inteirinha
A sua mãe a Maria lavadeira que lava a semana inteira pra madame e sinhazinha
Moro num prédio que dá fundo pra favela o que eu vi lá da janela eu chorei como ninguém
Joãozinho fez oito anos e seus pais não se lembraram e os colegas procuram pra cantar os parabéns
Mais Joãozinho tão levado e espoleta catou barro na valeta uma lata ele amassou
Oito palitos num bolo de mentirinha na frente dos coleguinhas acenderam e ele apagou

As bandeirinhas eram roupas no varais até do lado de traz enfeitando o barracão
A sua mãe a Maria lavadeira escutava a barulheira sem tirar os olhos do chão
Ela queria ter lhe dado um presentinho para seu filho Joãozinho seu amor do coração
Dona Maria ganha pouco infelizmente o que ganha dá somente pra salvar o leite e o pão
E desse jeito como foi eu já nem sei do meu prédio presenciei a mais real das novelas
Dona Maria se orgulha do filho amado que com orgulho é chamado de Joãozinho da favela

O Repórter E O Andarilho
O repórter e o andarilho numa conversa comprida
O repórter perguntou porque leva esta vida
O andarilho respondeu é triste e muito engraçado 
Se você tiver um tempo venha sentar do meu lado
O andarilho foi dizendo num jeito despreocupado
Seu moço eu já fiz de tudo escreva bem compassado

Foi repórter e fui cigano eu sou doutor diplomado
Sou caipira fui roceiro fui fazendeiro abastado
Fui cidadão de respeito hoje estou aqui jogado
Tem praça em minha homenagem, avenida e elevado
Fora as estátuas de bronze que tem meu nome gravado

O relato do andarilho pro repórter foi doído
Eu pareço um cão sem dono qualquer bicho foragido
Mas o diploma do mundo tem um canudo cumprido
Eu sou aluno do mundo que por Deus sou conduzido
Se eu não fui bem na entrevista eu ando meio esquecido

O repórter perguntou o andarilho respondeu
Com cautela e muita classe o repórter escreveu
No final da entrevista o andarilho agradeceu
Admiro a sua calma e o dom que Deus lhe deu
Por ter vindo entrevistar o andarilho como eu

Dia De Pagode
O dia que eu sou chamado pra ir cantar num fandango
Não posso dormir direito passo a noite variando
As modas que eu esqueci no sonho eu vou recordando
Invento moda dormindo levanto cedo cantando

Me previno em sair cedo de todo lugar que eu ando
Eu estando com a minha viola toda festa eu comando
No ponteado do meu pinho deixo as moças suspirando
Viro a ideia das loirinhas e das morenas cor de jambo

Quando é dia de pagode bem cedo eu vou me aprontando
Logo o automóvel chega eu embarco e vou chispando
Porque o pessoal da festa contentes estão me esperando
Que será que aconteceu que o forgazão tá demorando

Quando eu chego na festa que o povo já tá dançando
Quero ouvir o instrumento que ali estão tocando
Se for toque de viola eu entro sapateando
Se for toque de pandeiro eu vou entrando e vou sambando

Me divirto a noite inteira, ai, ai, ai, ai
Até o dia vem clareando, ai, ai, ai, ai

João Corisco
João Corisco era ligeiro perigoso cangaceiro morador do arraial
Bem pior que jararaca quando João puxava a faca já no jeito de matar
Todo mundo respeitava as ordens que ele dava não podia contrariar
Quando marcava um cristão não existia perdão não adiantava implorar

Nunca teve religião o seu santo era o facão que na cinta carregava
Quando puxava a garrucha ativara a queima bucha quando alguém contrariava
Nas festas e nas quermesses salva-se ali quem pudesse quem não corresse apanhava
E naquele pula-pula era um coice de mula casa soco que ele dava

Num domingo ele bebia entrou numa barbearia chamou todos de canalha
O barbeiro reagiu João Corisco resistiu e quebrou quatro navalhas
Brigava com policial parecia um vendaval e vencia qualquer batalha
Terminava a anarquia e nem da boca caia o seu cigarro de palha

O João era boca quente parecia uma serpente quando entrava na parada
Mas uma mulher bonita insultou ele e fez fita desarmou sua jogada
Levou o joão pra cama e tirou a sua fama de maneira desastrada
O joão levou um couro hoje ele tá no soro sua fama foi quebrada

Músicas do álbum Tião Do Carro E Pagodinho Em Modas De Viola (GLTCD 143) - (2001)

Nome Compositor Ritmo
Primeiro Brinquedo Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
Recado De Carreiro Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
Primeiro Presidente Tião Do Carro / Léu Moda De Viola
O Imigrante Maracaí / Osvaldo De Andrade Moda De Viola
A Mudança Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
Sentença Da Paixão César Menotti / Pagodinho Moda De Viola
A Formiguinha Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
Colônia Vazia Mairiporã / José Fortuna Moda De Viola
O Guarda Noturno João Gonçalves / Teodoro Moda De Viola
Joãozinho Da Favela Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
O Repórter E O Andarilho Tião Do Carro / Caetano Erba Moda De Viola
Dia De Pagode Pagodinho Moda De Viola
João Corisco Tião Do Carro / Aleixinho Moda De Viola
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