Espada Azul (UNIMAR MUSIC UNI 186) - (2006) - Tião Do Carro e Santarém

Presente Especial
Eu achei no chão do shopping, na semana do Natal
Uma cartinha amassada na entrada principal
Fui lendo as primeiras linhas, não vi nisso nenhum mal 
A criança que escrevia pro Papai Noel pedia um presente especial

Eu não tenho cavalinho nem radinho pra escutar
Minhas roupinhas surradas mas ainda dá pra usar
Mas o que eu queria mesmo, isto eu queria ganhar
Se o senhor não se incomoda, uma cadeira de rodas pra minha mãe passear

Essas de rodas macias que no plano sai rodando
Quando chega na subida eu mesmo vou empurrando
Quero ver mamãe sorrindo, quero ver mamãe passeando
E na noite de Natal eu vou ficar no quintal, a noite inteira esperando

Beijei a carta e chorei e fiquei indignado
Nela não tinha endereço e ninguém tinha assinado
Somente no rodapé tinha um recado gravado
Eu moro lá na favela, na ponta de uma viela, num lugar tão complicado

Passei a semana inteira muito triste e aborrecido
Mas na noite de Natal falaram nos meus ouvidos
Quem escreveu a cartinha foi um menino 
Mas hoje ele está feliz, as casas André Luiz atendeu seu pedido

Sonho De Caboclo
Fiz um poema com palavras tão bonitas caprichei bem na escrita e também fiz uma canção
Fui no jardim colhi as flores mais belas Margaridas amarelas e a rosa branca em botão
Com muito gosto arrumei nossa casinha da sala até a cozinha e carpi todo o quintal
Rocei o pasto e consertei a porteira enfeitei a casa inteira como se fosse natal

Lá na varanda amarrei de novo a rede ajeitei bem na parede o quadro da Santa Ceia
No chão da sala todo de terra batida dei uma boa varrida não ficou um grão de areia
Na nossa cama pus a colcha de piquê com as beiradas de crochê que você fez tudo a mão
Troquei as fronhas com capricho e muito esmero as penas do travesseiro e palhas novas no colchão

Chegou o dia que você ia voltar eu cheguei até chorar de tanta felicidade
Levantei cedo e me arrumei com muito zelo reparti bem o cabelo igual gente da cidade
Botina nova que me apertava um pouco calça de brim arranca-toco e bigode bem aparado
De lenço branco camisa preta de lista eu parecia um artista daqueles bem afamado

E bem na hora que passava a jardineira me deu uma tremedeira quando a porteira bateu
Sai correndo lá pras bandas da estrada pra ver a sua chegada você não apareceu
A jardineira foi sumindo no estradão levando a minha ilusão e a tristeza que ficou
Foi só um sonho sentei na cama chorando hoje está fazendo um ano que você me abandonou

Gata Feroz
São altas horas da noite no meu quarto solitário
Se transforma em cenário de uma noite de amor
Entra em sena um corpo lindo mal coberto e elegante
Tentador e provocante e um sorriso sedutor

Se atira em meus braços igual uma gata feroz
Inicia entre nós uma noite sem censura
Feito vulcão me incendeia a fúria me faz vibrar
E me faz acreditar que me ama com loucura

Mas com que direito você vem e entre aqui
Quando eu consigo dormir em sonhos me provocar
Se você mesma que resolver ir embora
Me usou e jogou fora e pra mim não quer voltar

Tela Do Mundo
O real drama da vida se vê criança sofrida 
E por serem desnutridas nascem com cor amarela
Depois vem a juventude sem estudo e sem saúde
Quem trabalha desilude o salário é bagatela

A inflação ninguém segura os preços estão nas alturas
É uma dor que não tem cura só o salário tem tabela
Por um bando de morcego o pobre não tem sossego
Por causa do desemprego estamos mortos sem vela

Os homens lá do poder esquecem do seu dever
Não tem vergonha em saber que no Brasil tem favela

Até lixo pobre cata entre mosquito e barata
Pra cozinhar queima lata por não ter nem panela
É gente passando fomo criança, mulher e homem
Dão graça ao dia que comem sanduiche de mortadela

Destrói as malocas suas a miséria continua
Crianças morrem nas ruas no tempo frio que congela
E o sem teto reclama nem pra dormir não tem cama
A vida é um triste drama o nosso mundo é a Tela

Os homens lá do poder esquecem do seu dever
Não tem vergonha em saber que no Brasil tem favela

Depois A Gente Se Fala
A gente era um casal mais que perfeito
Sem limite e sem defeito no amor e no prazer
Nossa paixão que era pura adrenalina
Virou coisa de rotina e tem tudo pra morrer

Os meus e-mails que eu envio pra você
Você deleta e nem lê simplesmente ignora
Te mando flores com versinhos no cartão
Você nem dá atenção ainda amassa e joga fora

Você me evita e não tem tempo pra nada
Está sempre estressada tudo isso me abala
Quando eu reclamo você vem sempre com essa
Eu estou com muita pressa depois a gente se fala

Os seus abraços me arrastando para o quarto
Os seus beijos longos e fartos já não passa de um selinho
Seus compromissos de executiva bonita
A sua agenda maldita sempre me deixa sozinho

Seu telefone está sempre ocupado
Ou na caixa der recados não adianta nem ligar
Já não aguento acabou minha paciência
Estou marcando audiência para a gente se amar

Você me evita e não tem tempo pra nada
Está sempre estressada tudo isso me abala
Quando eu reclamo você vem sempre com essa
Eu estou com muita pressa depois a gente se fala

Velho Comandante
Aquele velho magrinho até com o vento balança
É um veterano da lida ele não é mais criança
Viveu no longo da vida a mais bonita lembrança
Mas a sua honestidade é a minha maior herança
Hoje sem força na fala apoiado na bengala mas ainda esta esperança

Mesmo no pico da idade ele é meu conselheiro
Nos meus momentos de apuro nas horas de desespero
Encosto o rosto nos ombros do meu velho marinheiro
É o meu porto seguro meu mestre meu companheiro
Me põe a mão na cabeça meu filho nunca se esqueça em tudo Deus é primeiro

Meu velho meu camarada meu antigo comandante
Na sombra do seu saber eu me sinto um principiante
Meu diploma está escrito nas rugas do seu semblante
Com muito orgulho eu te digo contigo aprendi bastante
Nossa história é comprida no enorme mar da vida me ensinou ser navegante

Você meu velho parece a pedra velha enrugada
Você parece o silêncio do orvalho da madrugada
Minha pedra minha flor meu piso da minha estrada
Eu estarei do seu lado motivando a caminhada
Meu velho meu grande amigo novamente eu te digo sem você eu não sou nada

Carreiro Novo
Carreiro novo que não sabe carrear 
Não passa carvão no eixo pra fazer carro cantar
O meu pai foi carreiro isto eu posso jurar
Cada vez que o carro canta dá vontade de chorar

Eu estudei medicina hoje sou doutor formado
Mas o meu pai foi carreiro famoso e respeitado
Na região do sul de Minas distante do povoado
Eu conhecia seu carro num cantar apaixonado
Hoje minha vida é amarga fiquei com peso da carga e a saudade do passado

Meu pai pitava paiero feto só defumo bom
Tinha um chapéu meia aba e um paletó jaquetão
E um facão jacaré pendurado num cambão
E o rastro da boiada deixava marcas no chão
Não usava candeeiro sua imagem de carreiro eu guardo no coração

Igual rodeiro de carro que escreveu pro chão afora
Carregado de café ou de madeira em toras
A minha caneta escreve enquanto meus olhos choram
É uma cata de saudade pro meu pai que foi embora
Numa estrada azulada sem carro e sem boiada lá nas campinas da glória

Carreiro novo que não sabe carrear 
Não passa carvão no eixo pra fazer carro cantar
O meu pai foi carreiro isto eu posso jurar
Cada vez que o carro canta dá vontade de chorar

Binga Véia
Eu tenho uma binga véia jogo ela em qualquer jogo
A binga tá derrubada mas se der uma riscada, binga véia pega fogo

Minha binga solta fogo que nem bala de canhão
Minha vizinha outro dia quase que queimou a mão
Ela pegou minha binga pra acender o seu fogão
Ela viu a viola em caco fogo entrou no buraco da panela de pressão

Foi num baile de barraca lá na casa do Jacó
Eu levei a minha binga no bolso do paletó
Quando foi de madrugada eu fim um forrobodó
Eu fui dar uma cachimbada e assanhei a mulherada que dançava no forró

Eu tenho uma binga véia jogo ela em qualquer jogo
A binga tá derrubada mas se der uma riscada, binga véia pega fogo

Emprestei a minha binga pra uma dama que pediu
Ela deu uma riscada, mas o fogo não saiu
Eu falei envergonhado é defeito no pavio
Mas ela pegou de novo riscou no meio do povo e a labareda subiu

Eu saí lá do forró quando o dia clareou
Minha binga tava acesa o fogo não abaixou
Quando eu fui chegando em casa minha vó veio e falou
Seu avô não quer que xinga mas eu fui mexer na binga, binga do veio falhou

Reinado Perdido
Eu tive tempo suficiente até demais pra preservar tudo o que ganhei um dia
Ela enfeitava meu castelo com cristais no subsolo o alicerce corroía
Não tive tempo pra sentar em minha mesa bater um papo sobre a vida conjugal
Eu corria atrás do ouro e da riqueza do outro lado eu perdia o principal

Hoje não choro, não reclamo e não lamento
Tudo que eu tinha em minhas mãos eu joguei fora
De mãos beijadas entreguei meu aposento
A quem ocupa o meu reinado nesta hora

Todas as noites tinham dois ou três convites os meus amigos me tiravam do meu lar
Secretamente eu injetava um dinamite e o meu castelo foi trocado por um bar
Quando voltei para abraçar esposa e filhos o meu tapete mansamente alguém puxou
A minha estrela lá no céu perdeu o brilho atrás das nuvens do pegado se apagou

Hoje não choro, não reclamo e não lamento
Tudo que eu tinha em minhas mãos eu joguei fora
De mãos beijadas entreguei meu aposento
A quem ocupa o meu reinado nesta hora

Hóstia Envenenada
A jovenzinha Sinira que na riqueza vivia
Hilário era um caipira por quem tinha simpatia
Ele namorou Sinira o pai dela não queria
Hilário separou dela, mas prometeu para ela que ele voltava um dia

Quem sorria com vontade era o velho milionário
O caipira ía ser padre era esse o comentário
Mais tarde nesta cidade chegou um novo vigário
Sinira até sorriu o padre que ela viu era o seu querido Hilário

Contaram pro milionário foi aquela esparrela
Os capangas sanguinários invadiram a capela
Nesta hora o padre hilário entregava a hóstia dela
A morte ele pressentiu, mas ainda ele conseguiu dar a hóstia para ela

A dor que o padre sentiu do golpe que recebeu
A Sinira quando viu o sangue dele correu
Pois ela não resistiu dali a pouco morreu
O pai dela milionário mandou matar o vigário e o castigo recebeu

Correram até o doutor não puderam fazer nada
O doutor que examinou encontrou o fio da meada
A hóstia que ela tomou já estava preparada
Ninguém sabe se é má sorte a causa da sua morte foi a hóstia envenenada

Saudade Dela
Nesta madrugada de garoa fria minha alma vazia de saudade chora
No silêncio triste que até arrepia faz lembrar o dia que ela foi embora
E na solidão do meu quarto triste ouço a voz do vento que sopra lá fora
Parece dizer que a dor que padeço ainda é pouco pelo que mereço e não adianta lamentar agora

Deito na cama e não tenho sono a saudade dela não me deixa em paz
Vou morrer aos poucos neste abandono porque meu amor não volta nunca mais

Onde andará meu bem nesta hora será que está nos braços de alguém
Será que sorri ou será que chora num canto sozinha como eu também
Se ela voltasse para mim de novo para dar um fim nesta minha dor
Essa é a coisa que eu mais queria prometo-lhe dar mil beijos por dia para nunca mais perder o seu amor

Deito na cama e não tenho sono a saudade dela não me deixa em paz
Vou morrer aos poucos neste abandono porque meu amor não volta nunca mais

O Preto Velho E O Tico-Tico
Um preto velho notava no barranco do caminho
Um casal de tico-tico rodeava o seu ninho
Um filhote era claro e o outro bem pretinho
O tico-tico aos dois dava o mesmo carinho
Que bom se os homens tivessem coração de passarinho

O casal de tico-tico pulando lá no terreiro
Fez o preto recordar o tempo de cativeiro
Vieram para o Brasil em um navio negreiro
Como se fossem animais pelos brancos interesseiros
Até os seus filhos foram trocados pelo dinheiro

Debaixo de chicotadas derramavam seu suor
Não tinha dia e nem hora com chuva, frio ou calor
Passou frio e passou fome passou sede passou dor
E a preta mãe Maria tinha saudade e amor 
Quantos filhos ela criou que não tinha a sua cor

Pai João falou assim sentadinho lá no banco
Mãe Maria eu tenho dó nem um animal espanto
O patrão só me bateu me deixou arcado e manco
Não é igual o passarinho que se criou no barranco
Dando amor ao filho negro igualzinho ao filho branco

Espada Azul
Meu pagode é um guerreiro empunhando a sua espada
Que viaja pelo mundo num raio de luz dourada
A sua coroa brilha deixa a Terra iluminada
Com ele na minha frente não tenho medo de nada

Eu joguei um pingo dágua no areião da encruzilhada
Areia se transformou numa lagoa encantada
Nas noites de escuridão a água fica estrelada
É ali que a estrela Dalva passeia de madrugada

O meu anjo é um guerreiro com a sua espada azul
Garantindo o meu sucesso no Brasil de norte a sul

Meu pagode é um tornado que arrasa onde passa
O meu peito é aço puro não entorna e nem amassa
O som da minha viola arrebenta até vidraça
É uma explosão no espaço parece avião de caça

Numa montanha de pedra tem uma cruz afincada
Eu vejo na frente dela sete anjos de mãos dadas
Ali eu gravo os meus versos numa pedra lapidada
Meu pagode vem de lá e não sai mais das paradas

O meu anjo é um guerreiro com a sua espada azul
Garantindo o meu sucesso no Brasil de norte a sul

Palavras
Um punhado de palavras que eu tinha em minhas mãos
Joguei no longo do espaço da minha imaginação
Deixei que elas caíssem distante do meu olhar
Aonde elas quisessem não importava o lugar

Uma caiu num asilo a outra no orfanato
Uma foi cair no mar e a outra no anonimato
Teve uma que caiu em cima de um grão de areia
A maior no tribunal e a menor na cadeia

Teve uma que caiu nos ombros de um aleijado
E a outra caiu nos olhos de alguém ajoelhado
Uma palavra caiu causando interrogação
Não se era o amor não sei se era o perdão

A derradeira palavra que caiu foi a verdade
E justamente em cima daminha dignidade
Peguei um pouco das duas botei nas mãos e joguei
Palavras que eu aprendi palavras que eu ensinei

Músicas do álbum Espada Azul (UNIMAR MUSIC UNI 186) - (2006)

Nome Compositor Ritmo
Presente Especial Tião Do Carro / Caetano Erba Toada Balanço
Sonho De Caboclo Tião Do Carro / Ademar Braga Toada Balanço
Gata Feroz Tião Do Carro / Elizette Ferreira Guarânia
Tela Do Mundo José Pinto / Tião Do Carro Cururu
Depois A Gente Se Fala Tião Do Carro / Ademar Braga Rasqueado
Velho Comandante Tião Do Carro / Caetano Erba MOda
Carreiro Novo Tião Do Carro / Nilton Costa Toada Balanço
Binga Véia Tião Do Carro / Moacyr Dos Santos Arrasta-pé
Reinado Perdido Tião Do Carro / Caetano Erba Guarânia
Hóstia Envenenada Tião Do Carro / Ovídeo Cururu
Saudade Dela Labareda / Tony Gomide Cateretê
O Preto Velho E O Tico-Tico Tião Do Carro / José Pinto Cateretê
Espada Azul Tião Do Carro / Ademar Braga Pagode
Palavras Morgado / Tião Do Carro Cateretê
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