Modas De Viola Classe A (Volume 2) (ALVORADA 210407103) - (1975) - Tião Carreiro e Pardinho

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Travessia Do Araguaia
Naquele estradão deserto uma boiada descia
Pras bandas do Araguaia pra fazer a travessia
O capataz era um velho de muita sabedoria
As ordens eram severas e a peonada obedecia

O ponteiro moço novo muito desembaraçado
Mas era a primeira viagem que fazia pra estes lados
Não conhecia os tormentos do Araguaia afamado
Não sabia que as piranhas eram um perigo danado

Ao chegarem na barranca disse o velho boiadeiro
Derrubamos um boi n’água deu a ordem ao ponteiro
Enquanto as piranhas comem temos que passar ligeiro
Toque logo este boi velho que vale pouco dinheiro

Era um boi de aspa grande já roído pelos anos
O coitado não sabia do seu destino tirano
Sangrando por ferroadas no Araguaia foi entrando
As piranhas vieram loucas e o boi foram devorando

Enquanto o pobre boi velho ia sendo devorado
A boiada foi nadando e saíram do outro lado
Naquelas verdes pastagens tudo estava sossegado
Disse o velho ao ponteiro pode ficar descansado

O ponteiro revoltado disse que barbaridade
Sacrificar um boi velho pra que esta crueldade
Respondeu o boiadeiro aprenda esta verdade
Que Jesus também morreu pra salvar a humanidade 

Cabelos Cor De Prata
Me lembro e tenho saudade do tempo que eu fui solteiro
Lá no estado de Minas fui um grande catireiro
Eu digo com vaidade minha doce mocidade
Hoje só resta saudade daqueles tempos primeiro ai

Lá na minha redondeza fui o melhor violeiro
Eu não vencia os convites que me mandavam os festeiros
Em toda festas que eu ía o povo todo sabia
Que o fandango amanhecia onde cantava o mineiro ai

O tempo foi se passando meus cabelos embranqueceram
Com o decorrer da idade minhas pernas enfraqueceram 
Cantar assim se desgosta, mas de ouvir a gente gosta
Já tenho na minhas costas mais de cinqüenta janeiros ai

Meus colegas de função alguns desapareceram
Uns deixaram por velhice e outros porque morreram
Só resta eu desta data meus cabelos cor de prata
Moro na borda da mata ausente dos companheiros ai

Um Pouco De Minha Vida
Eu morei numa fazenda que mais feia não havia
Era uma furna de serra que de serração cobria
Só depois de nove horas que o sol aparecia
E pra onde a gente olhava só montanhas que se via
Lá pras bandas do poente como sufocava a gente quando à tardinha morria

O lugar era assombrado minha mãe sempre dizia
Que certas horas da noite um gemido se ouvia
Era um ai, ai tão triste que no quintal se expandia
Minha mãe ai lembrar disso ela conta e se arrepia
Não tinha vizinho perto vejam que lugar deserto de nós só Deus que sabia

Não muito longe de casa um piquete existia
Onde meu pai conservava as nossas vacas de cria
Era preciso cuidado quando um bezerro nascia
Devido ter muitos lobos por aquelas cercanias
Lembro-me bem como era o uivado dessas feras na solidão se perdia

Eu ainda era criança quase pra nada servia
Mas tirava dose e meia na enxada todo dia
O meu joguinho de malha era o que mais me entretia
Até que meus pais mudaram era assim que eu vivia
Hoje eu moro na cidade, mas recordo com saudade minha velha moradia

Clarineta
Essa minha viola é muito bem feita
Tem as costas de imbuia e na frente é caxeta
É toda marchetada de madeira preta
Ela é bem afinada que nem clarineta

Esta viola é um jogo igual a roleta
Que no nosso espetáculo nós faz a colheita
Eu canto modinha certinho na letra
Nos ganha o dinheiro e recebe as gorjetas

Tenho uma cem modas do outro planeta
Canto a noite inteira sem repetir letra
O nosso dueto e igual duas cornetas
Quem não for violeiro com nós não se meta

Se entro na festa função endireita
Só os violeiros fracos é que se despeitam
Rosinha, Camélia, Esmeralda e Julieta
Voam do meu lado que nem borboleta

As Três Cuiabanas
Eu nasci numa data feliz, bem depois do dia dezesseis
Por eu ser um menino sem pai fui criado com titio Inês
Titio era cuiabano nessa lida também me criei
Ele era criador de gado no seu regime me acostumei
Tinha laço couro de mateiro não escapava uma rês do mangueiro
Eu deixava correr trinta dias por mês

Fiz viagem pra Mato Grosso na comitiva de um calabrês
Titio me deu um burro pampa que atendia por nome truquês
Foi tirado da tropa Rio Grande outra escolha melhor não achei
Eu deixei pra mostrar minha ciência quando lá em Mato Grosso eu cheguei
Eu bambeei as rédeas do pampa e o laço pegou pelas guampas 
Berrava na chincha o zebu jaguanês

Tinha três mocinhas na janela, Jovilhana, Clarice  e Inês
Uma delas tava me gabando paulistinha ainda surra vocês
Cuiabanos quiseram achar ruim o meu trinta na cinta eu bambeei
Pra mostra minha ciência melhor por capricho o mestiço eu soltei
Ele tinha as guampas revessas e o laço escapou da cabeça
Pelas duas mãos eu lacei outra vez 

O patrão me chamou lá pra dentro eu entrei com meu jeito cortês
Eu entrei no salão de visita lá fiquei rodeado das três
Perguntou qual era a mais bonita veja só que apuro eu passei
Respondi todas três são iguais fui do jeito que eu desapurei
A mais velha é uma flor do campo, a do meio é um cravo vermelho
A mais nova é uma rosa quando está de vez

Na hora da despedida foi preciso eu falar português
O meu coração ficou roxo foi da cor de um alho chinês
Eu deixei pra dar meus três suspiros quando o Porto pra cá atravessei
As meninas me escreveram cartas brevemente a resposta eu mandei
Vou tomar a linha sorocabana quero ver as três cuiabanas
Quero ver Jovilhana, Clarice e Inês 

Derrota
Ai lá no bairro aonde eu moro assim o pessoal proseia
Que os campeões na redondeza da minha fama receia
Ai por saber que do meu lado a corda velha não bambeia
Só lembram de Santa Bárbara na hora que relampeia

Ai gente que só garganteava tem a pulga atrás da orelha
Nas festas que vou chegando a violeirada raleia
Ai eles vão se escorregando que nem lagarto na areia
Lugar que a onça transita os macacos não passeiam

Ai tem violeiro imitador que longe de mim proseia
Dentro do meu repertório eu não tenho moda feia
Ai folgazão que não faz moda não leva tempo chateia
Perto do gavião penacho os passarinhos não gorjeiam

Ai eu e o meu companheiro canta baixo e ondeia
Coração pode ser duro com nossos versos brandeia
Ai quando estamos cantando os violeiros desnorteiam
Perto da estrela d'álva outra estrela não clareia

Boiadeiro Punho De Aço
Me criei em Araçatuba laçando potro e dando repasso
Meu velho pai pra lidar com boi desde pequeno guiou meus passos
Meu filho o mundo é uma estrada cheia de atalho e tanto embaraço
Mas se você for bom no cipó na vida nunca terás fracasso

Com vinte anos parti foi na comitiva de um tal Inácio
Senti um nó me apertar à garganta quando meu pai me deu um abraço
Meu filho Deus lhe acompanhe são esses os votos que eu lhe faço
E como prêmio do teu talento lhe presenteio com este meu laço

Por este Brasil afora fiz como faz as nuvens no espaço
Vaguei ao léu conhecendo terras sempre ganhando dinheiro aos maços
Meu cipó em três rodias cobria a anca do meu Picasso
Foi o que me garantiu o nome de boiadeiros punho de aço

De volta pra minha terra viajava a noite com o mormaço
Naquilo eu topei com uma boiada beirando rio vinha passo a passo
Um grito de boiadeiro pedindo ajuda cortou espaço
Eu vi que o peão que ia rodando saltei no rio com o meu Picasso

A correnteza era forte tirei o cipó da chincha do macho
E pelo escuro ainda consegui laçar o peão por um dos seus braços
Ao trazer ela na praia meu coração se fez em pedaço
Por um milagre que Deus mandou salvei meu pai com seu próprio laço

Consagração
Recebi uma carta quando ela eu abri 
Vi que veio de longe de Araguari
Um convite de festa que era pra nós ir 
Eu e meu parceiro era pra seguir
Pra cantar um desafio e se prevenir 
Que vinha um violeiro bem longe dali
Ligeiro nos versos que nem lambari

Nós saímos bem cedo pra aquelas campanhas 
Cortando atalho por trás das montanhas
Lá já me disseram você não estranha 
A notícia daqui que vocês dois apanham
Pois o tal desafio tinha fama tamanha 
Os homens chegaram contando façanha
Diz que é mais de cem desafio que eles ganham

A fama de valente estava esparramada 
De espora e bombachas e o peito embolado
Falando tão grosso tão entusiasmado 
Chicote no braço e um trinta de lado
Me pediu que eu cantasse um verso dobrado
Bati a viola bem repicado
Saudei o festeiro e todos convidados

Pois tiraram a viola de um saco de meia 
As mocinhas falaram que viola mais feia
Entraram berrando que nem uma sereia 
Umas modas gritadas que doía na orelha
Pois pensou que com berro nós já desnorteia 
Falaram burrada uma hora e meia
Cantava dançando igual porca na peia

Eles aproveitaram da nossa fraqueza 
Entraram acalcando fazendo proeza
Ganhar o desafio eles tinham a certeza 
Pisquei pro parceiro vai ser uma surpresa
Conversa e garganta não paga a despesa 
Se eles nos versos não tiver destreza
Alegria dos homens acaba em tristeza

Eu chamei o festeiro dentro do salão 
O senhor não repare da nossa expressão
Desafio numa festa é boa diversão 
Mas eu não gostei destes dois folgazão
Eu notei que esses homens não tem instrução 
Maltratar um colega sem haver razão
Eu preciso lhes dar uma boa lição

Esse violeiro alto eu comparo um morão 
E esse magrelo uma mão de pilão
O que tem a voz forte eu comparo um trovão 
O da voz mais fraca eu comparo um rojão
Que sobe um pouquinho com muita aflição 
Vai soltando fogo fazendo explosão
No fim os dois vêm e arrebentam no chão

Esse foi um dos versos do mais inferior não 
Não dei mais descanso pros dois cantadores
Não sou estudado não sou professor
Mas sei meu lugar e também dou valor
Não desprezo ninguém muito menos o senhor
Que veio de tão longe fazendo furor
Olhei no salão não vi mais os cantor

Ingrata
Contratei a ventania que vai pras banda do oeste
E mandei notícias minhas pra um amor que me conhece
O vento foi e voltou resposta não aparece
Não sei se ela ainda me ama ou se talvez já me esquece

Cada vez que lembro dela o meu coração padece
Pego na viola de pinho com franqueza me aborrece
O peito geme e soluça a minha voz enrouquece
É bem triste a gente amar alguém que não reconhece

Aqui no bairro que eu moro toda vez que amanhece
O cantar dos passarinhos é como um hino celeste
Me faz lembrar o passado água dos meus olhos descem
Minha vida é como as folhas que caindo se apodrecem 

Conforme o tempo se passa meus cabelos embranquecem
Abandono ao sofrimento é o que a sorte me oferece
Ingrata vou me ausentar da minha vida terrestre
Dou-lhe um derradeiro adeus e você dai-me uma prece

Lobisomem
Foi por boca de um baiano que eu fiquei bem informado
De um caso assombroso que se deu no seu estado
Morava em Vila Velha um moço bem alinhado
E por toda a redondeza era bem considerado
Por ter boa posição e se filho do delegado

De todas as moças que tinha o seu sonho adorado
Foi a filha do prefeito que caiu no seu agrado
O grande acontecimento por todos era esperado
Porque faltavam dois meses para ser realizado
A igreja do lugar seu casamento marcado

Foi neste meio de temo que surgiu no povoado
Causando diversos danos um bicho desfigurado
Tudo quanto não prestava por ele era findado
Dizia ser lobisomem porque tinha atropelado
A tal filha do prefeito que voltava do bailado

A moça ficou doente do grande susto levado
Não comia nem dormia em gritos desesperado
Dizia que estava vendo aquele vulto ao seu lado
Três doutores em volta dela não achava o resultado
O seu noivo não sabia porque tinha viajado

O prefeito aborrecido combinou com o delegado
Formaram uma quadrilha de boiadeiro e soldado
Regulava meia noite estava tudo preparado
Dália a pouco aquela fera pulava dando uivado
Por se ver numa prisão de quatro laços trançados
No tronco de uma paineira ele pousou amarrado

Quando foi no outro dia foram ver o resultado
Uns gritavam de pavor outros caiam desmaiado
Por ver que aquela fera em gente tinha virado
E a pessoa que ali estava toda nua envergonhado
Era o noivo de Suzana o filho do delegado

Minha Vida
Trago na lembrança quando era criança
Morava na roça gostava da tróça
Do monjolo d'água da casa de tabua
Quando o sol saía a invernada eu subia
Pras vacas leiteira tocar na mangueira
Fui moleque sapeca levado da breca
Gostava da viola e ainda ía na escola
Eu ia todo dia numa égua tordilha

Com quinze anos de idade mudei pra cidade
Saí da escola era rapazola
Deixei de estudar fui caixeiro num bar
Trinta mil réis por mês pra servir os freguêses
Vendendo cachaça Aturando arruaça 
Pra mim só foi boa a minha patroa
Vivia amolado com meu ordenado
Trabalhei sete mês recebi só uma vez

Eu não via dinheiro entrei de pedreiro
Pra aprender o ofício mais foi um suplício
Sol quente danado embolsando o telhado
As cadeiras doía e eu me arrependia
Mas não tinha jeito era meter os peitos
No duro enfrentei não me acostumei
São pouco retaco meu físico é fraco
Só de falar no trabalho quase que eu me desmaio
Tive grande impulso com outro recurso
A viola é tão fácil é só mexer nos traço
Fazer modas boas quando o povo enjoa
Fazer modas dobradas e bem selecionadas
Pras festas que for não passar calor
Evitar de beber pra voz não perder
Dinheiro no bolso vem com pouco escorço
Neste sol de anil divertindo o Brasil

Última Viagem
Numa fria madruga da eu arriei o meu picaço
Fui fazer uma caçada no campo de Santo Inácio
Num rancho beira de estrada pra aliviar meu cansaço
Parei pra beber uma água conheci o velho Epitácio
Era o rei dos cantadores que teve um triste fracasso

Seu moço você esta vendo esta viola empoeirada
Faz dez anos que este pinho tá no esteio pendurada
Dez anos atrás esta viola sempre foi a minha enxada
Eu com o meu companheiro nós dois não tinha parara
Toda semana cantava levando a vida folgada

Cada dia uma cidade sempre fazendo viagem
Pra violeiro despeitado bater com nós é bobagem
Em modas de desafio nós tinha grande bagagem
Desafiava dia e noite e não levava desvantagem
A fama do Epitácio já estava em muitas paragens

Fizemos a última viagem do lado do Itararé
Quando bateu meia noite os campeões chamou no pé
Cantamos o resto da noite sem desconfiar da má fé
O povo fingia alegre dançando e batendo o pé
Quando foi de madrugada pra nós trouxeram café, ai

Seu moço aquele café foi verdadeira cilada
A parte que nos trouxeram tava toda envenenada
Por eu não tomar café me livre dessa emboscada
Sem dizer que aquela gente tava toda despeitada
Os campeões que nós quebramos tinha a fama respeitada

No outro dia faleceu meu parceiro de estimação
Pendurei ali a viola e nunca mais botei a mão
Essa viola é vitoriosa nunca perdeu pra campeão
Esta foi a última viagem que enlutou meu coração
Porque perdi meu parceiro e, além disso, é meu irmão

Músicas do álbum Modas De Viola Classe A (Volume 2) (ALVORADA 210407103) - (1975)

Nome Compositor Ritmo
Travessia Do Araguaia Dino Franco / Décio Dos Santos Moda De Viola
Cabelos Cor De Prata Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Um Pouco De Minha Vida Dino Franco Moda De Viola
Clarineta Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
As Três Cuiabanas Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Derrota Décio Dos Santos Moda De Viola
Boiadeiro Punho De Aço Teddy Vieira / Tião Carreiro Moda De Viola
Consagração Carreirinho Moda De Viola
Ingrata Dino Franco / João Caboclo Moda De Viola
Lobisomem Piracicaba / Zé Dourado Moda De Viola
Minha Vida Carreirinho / Vieira Moda De Viola
Última Viagem Carreirinho / Fernandes Moda De Viola
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