Cadê O Gato (CHANTECLER 211405573) - (1983) - Cacique e Pajé

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Mão Fechada
Lá no bairro que eu moro eu conheço um camarada
Toda grana que ele ganha ele guarda bem guardada
E fica lá no boteco serrando a rapaziada
É o serrote lá do bairro não gosta de pagar nada
Todo mundo já conhece o famoso Mão Fechada

É só entrar no boteco Mão Fechada logo vem
Ele serra o que é dos outros pra guardar o que ele tem
Não gosta de abrir a mão nem pra dar os parabéns
Não gosta de dar bom dia nem boa tarde pra ninguém
Mas fácil um burro voar do que dar esmola pra alguém

Tem dia que ele faz um negócio diferente
Pra beber junto com ele convida muita gente
Mas na hora de pagar ele some de repente
É assim que o Mão Fechada leva a vida parar frente
Gosta de viver encostado nos amigos e nos parentes

Se tem circo lá no bairro Mão Fechada se apavora
Se tem show de violeiro é coisa que ele adora
Já vai na porta do circo fica lá fazendo hora
Ele não entra no circo, mas também não vai embora
Bate palmas pros violeiros escutando lá de fora

Cidade Moderna
Eu voltei quase chorando lá da terra sertaneja
Não pude ver com meus olhos o que o coração deseja
Lá está tudo moderno só quero que você veja
O padre não usa batina, tiraram a torre da igreja

Tudo vai modificando conforme o tempo passa
Agora a igreja é moderna daquela bonita praça
Não sei onde tocar o sino pra mim acabou a graça
Trocaram o trem de ferro, adeus maria fumaça

Se eu soubesse eu não ia pra ver aquilo que eu vi
O progresso me machucou na saudade que eu sentia
Restaram poucos amigos daqueles que eu conheci
Eu parecia um estranho na terra onde eu nasci

Saudade me bateu tanto que até hoje tenho sinais
Eu saí de lá chorando e nem quis olhar pra trás
O que se fez do jardim é coisa que não se faz
Derrubaram o coreto e a banda não toca mais

Rainha Da Festa
No festival sertanejo onde a viola tinia
Eu entrei pra competir e mostrar o que sabia
O prêmio era um troféu que no palco reluzia
Ser o grande vencedor não tinha quem não queria
Só de pensar na derrota tinha gente que tremia

Quando eu subi no palco senti no sangue o calor
Meu coração bateu forte que até suspirei de dor
Foi a rainha da festa que me fez mudar de cor
Era uma loira tão linda do olhar encantador
Que me deixou amarrado na corrente do amor

Abracei minha viola olhando para a donzela
Para mim representava que estava abraçando ela
Ela me deu um sorriso ainda ficou mais bela
Eu cantei apaixonado pensando somente nela
E quando saí do palco eu saí nos braços dela

Com os carinhos da loira eu fiquei embriagado
Chegou o fim do festival não ouvi o resultado
Depois me deram o prêmio de primeiro colocado
Eu perdi o fim da festa, mas tive prazer dobrado
Porque eu fui nesse dia duas vezes premiado

Filatelista Caboclo
Eu sou caboclo, gosto da realidade
Coleciono quantidade de coisas do meu sertão
Bem conservado tenho um couro de boi
Companheiro já se foi, mas ficou recordação

Guardo com gosto penduradas na varanda
Duas brochas e uma canga de dois mestres bois de guia
Com seis argolas, um aguçado ferrão
Um chumaço e o cocão são selos de garantia

Caboclo foi o índio velho meu pai
Quem me ensinou a cantar as coisas do meu sertão

Bem afinada tenho uma boa viola
Que faz parte da história junto a um laço bem surrado
Como relíquia também guardo um velho trole
E no corguinho o monjolo batendo bem compassado

Tem um engenho todo feito de madeira
Um pilão e uma esteira, selos bem valorizados
Tem um cambão, dois fueiros e um tirante
De três chifres um berrante que toco bem repicado

Guardo a lembrança do meu selo de saudade
De colhidas amizades no presente e no passado
Tenho a buzina, também selo de caboclo
E um cão latindo rouco demonstrando estar cansado

Simbolizando o emblema do amor
A cabocla conservou a beleza no semblante
Beleza pura com o perfume da paisagem
Numa singela homenagem torno a repicar o berrante

Piraquara
A barranca do Rio Pardo fiz um rancho com taquara
Derrubei a capoeira e pus fogo nas coivaras
Eu passo horas pescando nas noites de luas claras
A gente avista distante lá no meio da vazante o bando de capivara

Dourado é peixe brabo pra gente pescar na vara
Eu gosto de tarrafear onde tem as piaparas
Tabarana também cai na rede do piraquara
Só pesco peixe graúdo pescar os peixes miúdos é uma coisa muito rara

Meu remo é guatambu varejão de guaiçara
Canoa fiz de paineira que não é madeira cara
Remando contra a maré as águas do rio separa
No balanço da canoa eu vou sentado na proa pescando peixe taiguara


Lá no remanso do rio onde a corredeira para
Pra pegar peixe na sonda o anzol a gente prepara
A vida do pirangueiro com nada não se compara
Quando vai escurecendo como é bonito ficar vendo aqueles bandos de araras

Velho Berrante
Peço por favor que me ouçam atento
Um depoimento bastante sentido
Faz parte de um caso muito recente
Que me deixou doente e até combalido
Depois de perder quase toda família
Com a minha filha resolvi morar
Para não pesar muito na despesa
Fazia limpeza de todo o seu lar

Lavava o carro, limpava o jardim
Aquilo pra mim era muito estafante
À noite deitado em minha rede
Via na parede meu velho berrante
Recordava os tempos das grandes labutas
Foram muitas lutas pra um homem sozinho
Olhando o berrante ali pendurado
Lembrava o passado e chorava baixinho

Minha filha um dia num ato bem rude
Tomou uma atitude que me abalou
Tirou da parede meu velho berrante
No lixo distante a malvada jogou
Me disse depois num cruel desafeto
Esse objeto não vai ver mais não
Eu o retirei de onde ele estava
Pois não combinava com a decoração

Eu falei pra ela naquele instante
Com esse berrante cortando estrada
Que eu sustentei você na cidade
Com dificuldade pra lhe ver formada
Sabia que eu era um ignorante
Só tinha o berrante pra ganhar a vida
Queria um dia filha adorada
Te ver estudada e bem instruída

Minha filha, agora com esse seu gesto
Enfim eu atesto que foi tudo em vão
O que eu e sua mãe passamos na vida
Foi luta perdida sem compensação
Agora eu dispenso este seu abrigo
Sou muito antigo, sua casa é mansão
Nasci pra viver no pó da estrada
Eterna morada do um velho peão

Cadê O Gato
Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu

Na minha casa se eu chegar fora de hora
Tenho que dormir pra fora não tem pão e não tem choro
A mulher fala não veio na hora certa
Pra dentro você não entra porque isso é desaforo

Foi numa festa lá na casa do Zé Prata
A comida tanta batata estufei que nem balão
Comi bastante minha gente eu nem sei
De tanto tiro que eu dei partiu a boca no canhão

Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu

O seu doutor receitou pro Chico Bode
Um remédio pro bigode e outro pra sua mulher
Bebeu errado minha gente como pode
Na mulher nasceu bigode e o Chico teve bebê

Lá onde eu moro eu achei interessante
Um moço que é viajante e metido a bacana
É um estrangeiro lá da vila carioca
Tava chupando taboca pensando que era cana

Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu

A mulherada já ta fazendo apelo
Pros homem cortar o cabelo nem que seja La garcione
Mas eu já acho que não vai no fim do ano
Tem muitos homem virando e mulher que já é homem

Teve um careca na hora que ele morreu
Bateu na porta do céu São Pedro ficou valente

Não viu cabelo São Pedro gritou quem é
Não entre de marcha ré eu só recebo é de frente

Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Cadê o gato que cheirou, mas não comeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu
Gato enjoado onde foi que se escondeu

Laço Da Saudade
Domingo a tarde remoído de cansaço pus a rede no terraço e balançando adormeci
Talvez puxado pelo laço da saudade sonhei deixando a cidade e voltando onde eu nasci
Entre a ramagem maquiada de poeira pela estrada boiadeira eu cheguei ao por do sol
Eu fui pisando sobre a relva verdejante e senti por um instante pisar num verde lençol

Eu vi o gado ruminando na invernada ouvi um pio na palhada de um nhambú xororó
Vi a paineira, o curral, e o mangueirão vi o  velho carretão já encoberto de cipó
Vi as abelhas revoando num enxame entre a cerca de arame vi a nascente da mina
Lavei o rosto e bebi água com as mãos contemplando a perfeição na natureza Divina

Vi meu cavalo relinchar na estrebaria dos guardados que um dia deixei num velho baú
Vi barrigueira, chinchador e travessão que eu mesmo fiz a mão com sedem de couro cru
Vi o chapéu, par de botas e a cineta uma espora sem roseta que eu quebrei num rodeio
Eu vi o laço, o berrante e a guaiaca protegidos pela capa pendurados num esteio

Eu vi mamãe com o vestido de bola e papai com a viola de cravelhas de madeira
Neste momento eu acordei tão tristonho e revivendo meu sonho eu chorei a noite inteira
Tudo que eu vi sei que não reverei mais porque ao perder meus pais para tudo eu disse adeus
Mas não lamento meu sofrimento profundo por que tudo neste mundo é por vontade de Deus

Despedida
Agora velho e cansado sofrendo tanto desgosto
Dentro deste peito meu a tristeza fez encosto
Quem me vê assim não diz que já fui homem disposto
Era muito divertido e também de muitos gostos
Hoje de cabelos brancos lágrimas descem do meu rosto

Tenho oitenta janeiros guardados em minhas costas
Pelejo pra ver se canto esforço e a voz não solta
Como é que posso cantar, cantar assim se desgosta
Meu peito enfraquecido, minha voz já está morta
Foi igual ao eixo do carro gastou de tanto dar voltas

Com quinze anos de idade eu era bom cantador
Quando chegava nas festas parecia um beija-flor
Agora estou velhinho desprezado sem amor
Meu peito velho cansado já perdeu seu valor
Hoje quando vejo a viola suspiro e choro de dor

Desprezei minha viola, pendurei ela num canto
Despedi dos companheiros com o meu coração em pranto
De joelhos peço a Deus que me cubra com seu manto
Sei que vou, mas deixo a fama, ninguém quebra meu encanto
Vou esperar por vocês lá dentro do campo Santo

Risco Da Paixão
Um caboclinho de fibra de talento e de opinião
Namorava escondido a filha do seu patrão
Mas o velho descobriu e lhe chamou atenção
Dizendo a minha filha é uma flor em botão
Que vive num vaso nobre é flor que um moço pobre no vai poder pôr a mão

O caboclinho ficou da cor do sol de verão
Puxou a faca da cinta e fez um risco no chão
E falou pra sua amada consulte o seu coração
Se quiser casar comigo pule o risco da paixão
Pra longe vamos partir e quem tentar impedir tem que ser bom no facão

O velho coçou o queixo pensou, mas não reagiu
Levando a mulher amada o caboclinho partiu
Se casou na capital e a sorte lhe seguiu
Estudando e trabalhando se formou e progrediu
O velho arruinou a vida com mulher, jogo e bebida a riqueza destruiu

Sabendo que na pobreza o sogro estava jogado
O caboclinho voltou ao lugar que foi criado
Comprou a grande fazenda onde ele foi maltratado
Entregando para o sogro disse deixo aos seus cuidados
Mudou a regra do jogo agora além de sogro o velho é seu empregado

Conselho De Violeiro
Eu nunca pensei que eu soubesse cantar
Não pude estudar, mas sou educado
Eu era o único filho da casa
Os meus trabalhos era sempre dobrado

Queria estudar, mas eu não podia
Professor não havia por aqueles lados
Meu grupo escolar era o cabo da enxada
Com as mãos calejadas assim fui criado

Cheguei a gravar e o povo gostou
Meu disco rodou por todos os estados
Na televisão fui algumas vezes
O meu português não foi reprovado

Com minha letra de origem pura
Eu não tinha leitura, mas fui consagrado
De um milagre eu fui concebido
Em ser instruído pra cantar no rádio

Vou dar um conselho para os violeiros
Aos meus companheiros procurem estudar
Porque a vida está muito dura
Com boa cultura pode melhorar

Eu tenho um amigo muito inteligente
Mas sei que essa gente vai ter que parar
Ou então lutar com mais sacrifício
Não será difícil, você vencerá

Os Dois Ãndios Violeiros
Tenho meu cocar de pena colar de dente de fera
Sou nascido em cabana bem no meio da tinguéra
Minha selva é enfeitada quando chega a primavera
Pra fazer minha caçada faço ceva na ramada onde a pintada beira

Dizem que o índio é selvagem quero que fiquem sabendo
O índio ama o verde nas águas não põe veneno
Eles não assaltam bancos conforme vocês tão vendo
Vejo gente na cadeia por mexer em coisa alheia tem homem branco morrendo

No vale do Tocantins entre castanhas e coqueiros
O índio sofre pressão de capangas e posseiros
Não tem direito ao chão onde ele pisou primeiro
Oh! Tupã onipotente olhai pela nossa gente, os meus irmãos brasileiros

Defendendo a natureza do sertão e da cidade
Cantando e tocando viola conquistamos amizade
No lugar onde chegamos ao partir fica a saudade
Para o povo hospitaleiro os dois índios violeiros desejam felicidades

Músicas do álbum Cadê O Gato (CHANTECLER 211405573) - (1983)

Nome Compositor Ritmo
Mão Fechada Moacyr Dos Santos / Chico Vieira Chibata
Cidade Moderna Moacyr Dos Santos / Tião Do Carro / Pajé Querumana
Rainha Da Festa Jesus Belmiro / Cacique Cateretê
Filatelista Caboclo Joaquim Neves / Cacique / Tonico Martins Toada
Piraquara Ferreirinho / João Ferreira Cururu
Velho Berrante Sulino / Hamilton Carneiro Moda De Viola
Cadê O Gato Cacique / Pajé Xote
Laço Da Saudade Jesus Belmiro / Cacique Cururu
Despedida Ferreirinho / João Ferreira Cateretê
Risco Da Paixão Jesus Belmiro / Pajé / J. Dos Santos Cururu
Conselho De Violeiro Cacique / Rocha / Caio Veio Embolada
Os Dois Ãndios Violeiros Cacique / Antonio Teodoro
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