Acostumados
às coisas mais puras e simples da vida cabocla, torna-se difícil a tarefa de
preambular um trabalho da envergadura desta verdadeira seleção de obras
sertanejas. Muito mais, por se tratar de uma reunião daquilo que há de mais
autêntico na nossa música raiz: A Moda De Viola, expressão legítima das mais
sinceras manifestações do homem da terra. E é esse o motivo que nos autoriza a
afirmar que violeiro, é aquele que interpreta, com igual desenvoltura uma moda
de viola, fora deste enfoque, são todos, artistas e cantores.
Neste
volume encontramos:O Pacote
Do Povo - obra em que foi nos dada a particular honra de transcrever, de
maneira bem singela, o sentimento, a confiança, a esperança e a gratidão do
povo sofrido, em relação a uma medida governamental que veio trazer ao
brasileiro humilde nossos dias e vislumbrar de um futuro mais digno e
promissor.
Bandeirante Fernão - é uma obra
litero-musical que tem conotações regionalistas, além de interpretada por Dino
Franco e Mouraí, foi gravada por outro intérpretes também, exaltando a epopeia
do bravo Fernão Dias Paes Leme, o caçador de esmeraldas, cuja figura ficou
incrustada na história, muito mais que as gemas preciosas que buscou pelo
sertão.
Nelore Valente - demonstra a
imaginação fértil do poeta sertanejo, traduzindo em termos fictícios a
filosofia do caboclo brasileiro, mostrando as razões e sentimentos que existem
no trato puro entre o homem e o animal de sua estima.
Travessia Do Araguaia - é uma
reedição de um dos maiores sucessos de Biá e Dino Franco, em que mais uma vez
prevalecem a filosofia e o sentimento cristão dos homens dos homens que são
afeitos a duras provas num transporte de Boiada.
Brasil Viola - é uma obra
ilustrada pelas manifestações folclóricas do tradicional catira, onde o próprio
caboclo se apresenta de corpo e alma, através da harmonia das vozes de Dino
Franco e Mouraí. É o canto do chão, da mata, da viola, do violeiro, da missa
sertaneja e da prece que une o homem do campo ao seu Criador
Violeiro Das Alterosas - é mais
uma homenagem de Dino Franco e Mouraí ao caboclo das Minas Gerais, que é um dos
mais autênticos e fiéis representantes do gênero musical mais brasileiro do
Brasil.
Retrato De Minha Infância - outra
obra que reflete e expõe, com profundo realismo a vida de muitos meninos
caboclinho, criados na vida dura das plagas rurais, desprovidos do conforto dos
centros mais avançados.
A Moda Da Marrequinha - é outro
trabalho por Dino Franco e Mouraí, que revela a argúcia filosófica do caboclo
interiorano, estabelecendo um estreito elo de ligação entre a fábula e a
realidade, traduzindo um drama que sempre se repete no cotidiano, por envolver
questões passionais entre homens e mulheres amantes.
Todo o trabalho, enfim, resume
numa só obra fonográfica toda a antologia caboclo, valorizada sobremaneira pelo
talento indiscutível de Dino Franco e Mouraí, aos quais agradeço como amigo e
companheiro de poesias, a imensa honra ao convite a estas simples porém
sinceras palavras.
A você caboclo irmão, um grande
abraço do Tenente Wanderley. (Texto extraído do LP DE Dino Franco e Mouraí:
Modas de Viola, Volume 2 (1986)
Nelore Valente
Na fazenda que eu nasci vovô era retireiro
Bem criança eu ajudava prender o gado leiteiro
Um dia de manhã cedo veja só que desespero
Tinha um bezerro doente a ordem do fazendeiro
Mate já este animal e desinfete o mangueiro
Se esta doença espalhar poderá contaminar o meu rebanho inteiro
Eu notei que meu avô ficou bastante abatido
Por ter que sacrificar o animal recém nascido
Nas lágrimas dos seus olhos eu entendi seu pedido
Pus o bichinho nos braços levei pra casa escondido
Com ervas e benzimentos seu caso foi resolvido
Com carinho eu lhe tratava e o leite que o patrão dava com ele era dividido
Quando o fazendeiro soube chamou o meu avozinho
Disse você foi teimoso não matando o bezerrinho
Vai deixar minha fazenda amanhã logo cedinho
Aquilo feriu vovô como uma chaga de espinho
Mas há sempre alguém no mundo que nos dá algum carinho
E sem grande sacrifício vovô arranjou serviço ali num sítio vizinho
Em pouco tempo o bezerro já era um boi erado
Bonito forte e troncudo mancinho e muito ensinado
Automóvel do atoleiro ele tirava aos punhados
Por isso na redondeza ficou bastante afamado
Até que um dia a noitinha um homem desesperado
Gritou pedindo socorro seu carro caiu no morro seu filho estava prensado
O carro da ribanceira o boi conseguiu tirar
O menino estava vivo seu pai disse a soluçar
Qualquer que seja a quantia esse boi eu vou comprar
Eu disse ele não tem preço a razão vou lhe explicar
A bondade do vovô veio seu filho salvar
Esse nelore valente é o bezerrinho doente que o senhor mandou matar
O Pacote Do Povo
Chegou o momento que o povo esperava
Ninguém mais suportava a situação
O assalariado luta, coitado,
Sempre sufocado pela inflação.
Chegou nossa hora povão brasileiro
E quem for trambiqueiro vai ter que pagar
O povo mostrou que tem sangue nas veias
De por na cadeia quem respeitar
A lei que regula o congelamento
Será um instrumento das autoridades
A tal inflação que foi tão desumana
Já caiu de cama e morreu na saudade
Agora o potro sentiu o areio
Se mascar o freio tem o reio na mão
O carro anda e desliza macio
Ou muito vadio vai parar na prisão
Dizemos adeus ao velho cruzeiro
Que foi companheiro de três gerações
Com ele vivemos por quarenta anos
Com ele compramos tantas ilusões
O nosso dinheiro lutou bravamente
Sofrendo com a gente as humilhações
Embora doente já quase morrendo
Vai ficar valendo nas recordações
Indústria e comércio já tem estrutura
E a agricultura vai ter sua vez
O trabalhador vai sair do sufoco
E guardar algum troco todo fim de mês
Ministro Funaro e todo o ministério
O governo mais serio eu não encontrei
E salve o destino que deu pra gente
Um grande presidente senhor Jose Sarney
Travessia Do Araguaia
Naquele estradão deserto uma boiada descia
Pras bandas do Araguaia pra fazer a travessia
O capataz era um velho de muita sabedoria
As ordens eram severas e a peonada obedecia
O ponteiro moço novo muito desembaraçado
Mas era a primeira viagem que fazia nesses lados
Não conhecia os tormentos do Araguaia afamado
Não sabia que as piranhas eram um perigo danado
Ao chegarem na barranca disse o velho boiadeiro
Derrubamos um boi n’água deu a ordem ao ponteiro
Enquanto as piranhas comem temos que passar ligeiro
Toque logo este boi velho que vale pouco dinheiro
Era um boi de aspa grande já roído pelos anos
O coitado não sabia do seu destino tirano
Sangrando por ferroadas no Araguaia foi entrando
As piranhas vieram loucas e o boi foram devorando
Enquanto o pobre boi velho ia sendo devorado
A boiada foi nadando e saíra do outro lado
Naquelas verdes pastagens tudo estava sossegado
Disse o velho ao ponteiro pode ficar descansado
Então o moço falou que tamanha crueldade
Sacrificar um boi velho isto é uma barbaridade
Respondeu o boiadeiro aprenda esta verdade
Que Jesus também morreu pra salvar a humanidade
Brasil Viola
Eu não tenho as virtudes de um Francisco de Assis
Mas eu amo a natureza o sertão do meu país
Eu não sonho com a riqueza e assim vivo feliz
O diploma de Doutor não tirei por que não quis
Eu deixei a faculdade pra viver mais a vontade
E cantar com liberdade nossa música raiz
Eu aplaudo a viola onde quer que ela esteja
Só ela traz mensagem que meu coração deseja
Viola e violeiro fazem parte da igreja
O Brasil todo conhece nossa missa sertaneja
O caboclo oferece seus versos em forma de prece
Lá no céu Deus agradece, bendito louvado seja
O Brasil é minha casa, o sertão é minha escola
O artista sertanejo não engana e não enrola
Violeiro não canta rock e no palco não rebola
Sertanejo imitador me aborrece e me desola
Quero ordem e progresso nada mais eu interesso
Muita gente faz sucesso cantando modas de viola
Não consigo me calar ou ficar indiferente
Vendo ritmos estranhos bagunçar nosso ambiente
Sou caboclo sertanejo violeiro competente
Cantando eu represento nossa terra, nossa gente
Folclore não se mistura é origem da cultura
Expressão de alma pura de um povo independente
Canto Da Pousada
A fazenda Itapixé já foi canto de pousada
Dos peões mais arrojados nos transportes de boiada
Ali quando fui mocinho vi comitiva pesada
Cargueiro, berrante, laço, tropa xucra de repasso, distração da peonada
Quem viu o que já vi buscando uma arribada
Sabe que um peão de campo tem sua vida arriscada
O laço tem que ser forte, a ilhapa bem reforçada
Precisa muito cuidado quando um mestiço alongado se esconde na invernada
Zé Vicente o grande chefe um dia de madrugada
Vestiu seu traje de festa pra sair numa jornada
Despediu de seus amigos de sua família amada
Deixando magoa sentida foi descansar desta vida na derradeira morada
Hoje a velha Itapixé vive quase abandonada
Não se ouve mais no pasto o berro da bezerrada
Eu também mudei de rumo segui outra caminhada
Adeus peões que ficaram adeus Carmo do Rio Claro adeus canto da pousada
Tocando a boiada uê, uê, uê boi
Eu vou cortando estrada, uê boi
Bandeirante Fernão
Ai, a bandeira Fernão Dias com seus homens escolhidos
Com Zé Dias Borba Gato bandeirante destemido
O capitão João Bernal, padre Veiga decidido
Foram guias da bandeira ai, ai, ao sertão desconhecido
Também Matias Cardoso, Garcia Paz, Francisco Dias
E Antônio Prado Cunha foram servindo de guia
Junto Antônio Bicudo entraram na mataria
Índio, escravo e mameluco ai, ai, animais de montaria
Frei Gregório Magalhães deu benção e deu alento
Rezando a missa campal frente ao mosteiro São Bento
E o bandeirante partiu com grande carregamento
Cargueiros e munição ai, ai, fumo em rolo e mantimento
A bandeira avançou na direção que seguia
Rio das Velha e Roça Grande, Sumidouro prosseguia
Passando por Tucumbira e a mata da Pedraria
Serro Frio e Rio Doce ai, ai, e foi chegar na Bahia
Morreu na selva em delírio o bandeirante Fernão
Sete anos de martírio em conquista do sertão
No lugar das esmeraldas que só foi uma ilusão
Cresceu São Paulo grandioso ai, ai, o diamante da nação
Retrato De Minha Infância
Minha infância foi marcada pela ausência de alegria
Meu pai muito trabalhava, porém nada possuía
A pobreza nos rondava, com trapos eu me vestia
Vira e mexe eu apanhava pelas artes que eu fazia
Com os pezinhos descalços enfrentava os percalços que a vida oferecia
Eu voltava da escola pertinho do meio-dia
A panela de feijão no fogo ainda fervia
Mamãe servia o almoço bem ligeiro eu comia
Preparava isca e vara rumava pra pescaria
Peixe, farinha e verdura quase sempre foi mistura que a família consumia
No varjão muitos preás com bodoque eu abatia
Na mira da cartucheira a caça sempre morria
Às vezes jogava bola, do campo logo saia
Tinha um gênio enfezado com todos eu discutia
Eu era de pouca prosa uma lama revoltosa apanhava e batia
Em noite de São João da minha casa eu fugia
Me escondia no moitão e uma fogueira acendia
Ficava mirando estrelas que lá no céu reluzia
Apanhava algum balão que acaso ali caía
Eu só voltava pra casa depois que a última brasa naquela cinza sumia
Quando chegava o natal meu peito se contraía
É que mestre Nicolau de mim sempre esquecia
Brinquedos eu não ganhava, comprar papai não podia
Só mamãe me consolava me tirava da agonia
Na retina da razão ficou gravada a lição que Jesus também sofria
Linha Reta
Não quero ser malcriado não gosto de grosserias
Mas continuar calado eu acho que é covardia
Tem cantador por aí fazendo estripulia
Vou entrar no jogo bruto com esses caras fajutos
Que negam os estatutos da própria categoria
O poeta sertanejo com sua filosofia
Ele mostra a natureza através da poesia
Poeta fala de amor e não de pornografia
Quem quer alcançar a meta deve andar em linha reta
Poeta que é poeta não escreve porcaria
Há um tipo de canção que já nasce em agonia
É como fogo de palha sucesso de poucos dias
A moda sofisticada caboclo não aprecia
A canção tem que ser pura sem desvio e sem rasura
Sertanejo não mistura macarrão com melancia
Cada coisa em seu lugar cada santo tem seu dia
A casa sem alicerce não aguenta ventania
A música sem origem é fraca, vulgar e fria
Ainda se vê bastante cantador ignorante
Esperando o elefante no carreiro da cotia
Uma praga estrangeira em forma de melodia
Contagiou muitas duplas de pouca sabedoria
Mas eu creio nos caboclos que tem a mente sadia
Neste verso derradeiro digo adeus aos meus companheiros
Violeiro que é violeiro não canta desarmonia
A Moda Da Marrequinha
Lá no bairro onde eu morro quase sempre ouvia um casal de marrecos na beira do rio
Quando o sol esquentava os dois se aqueciam no calor da tarde nos dias de frio
Certa vez o marreco afastou-se pra longe em busca do ninho que ele construiu
Um malvado gavião que estava de ronda pegou a marrequinha e ele não viu
Quando o pobre marreco voltou pra levar a sua companheira ao ninho que fez
Só encontrou penas rodando nas águas a tal marrequinha sumira de vez
Muito aflito ele voa subindo e descendo a margem esquerda do rio quinta reis
E o pobre marreco ficou no abandono chorando pra sempre sua viuvez
Desse caso amoroso ficou uma lenda que ainda os barqueiros comentam demais
Quando o rio transborda os patos recuam mas os marrequinhos unem os casais
E nas grandes vazantes os bandos se escondem alerto as negaceias dos gaviões rivais
Lamentando a má sorte daquela marreca que um dia partiu e não voltou mais
Eu também tive um caso muito semelhante que é o caso da ave que o gavião levou
A minha companheira fugiu do meu rancho e muito triste sozinho me deixou
Bem por isso me cuido dos gaviões calçudos por certo algum deles foi quem me roubou
Pois a minha cabocla, marreca selvagem um dia partiu e também não voltou
Irmãos Metralha
Na cidade de Andradina interior do meu estado
É o berço onde nasceu o famoso Rei do gado
Os maiores pecuaristas residem naqueles lados
Vou falar de uma família que seguiu a mesma trilha, os metralhas afamados
Saíram de Araçatuba pra Andradina mudaram
Encheram os pastos de bois, venderam e também compraram
Mas com a morte do Nelson os irmãos de desgostaram
O Wilsão e o Wiliam sem temer léguas e milhas pra Mato Grosso rumaram
Chegando em Alta Floresta naquele sertão distante
Se embrenharam na selva tal e qual nossos bandeirantes
Nas margens de Juruema tiveram lutas constantes
Nesta arrojada investida acharam muitas jazidas de ouro e também diamantes
Hoje me dia os dois irmãos são fortes capitalistas
Ficaram cheios de posses orgulhando o chão paulista
O homem que tem coragem tudo que sonha conquista
Eu digo sinceramente o status desta gente é um tema pra revista
Parabéns Irmãos Metralhas por este gesto pioneiro
Pra lutar ao bem todos eu também sou companheiro
Eu não tenho novo mundo nem sou astro de violeiro
Se um satélite pesquisa e pra aumentar as divisas deste povo brasileiro
Violeiro Das Alterosas
Passa gosto e se diverte quem é bom cantador
Eu deixo muita saudade em quase todo lugar que vou
Tanta morena bonita nesse meu peito já suspirou
Por isso que o povo fala que violeiro é conquistador
Nessa minha profissão tudo corre bem e o dinheiro entra
As festas que vou chegando é só rojão que sobe e arrebenta
Até pessoas ilustres pra me abraçar se apresentam
E na minha despedida tem gente que chora e lamenta
Eu sinto orgulhoso por é ter nascido com esta sina
Venho das alterosas do gigantesco estado de Minas
Pra cantar e fazer moda minha viola não quebra rima
Eu ganho dinheiro aos maços e me divirto com as meninas
Ser considerado artista sinceramente era meu desejo
Cruzar nosso território com este pinho que eu arpejo
Tudo isso eu já fiz e agora aproveitando o ensejo
Eu digo muito obrigado a todo meu povão sertanejo
Fazenda Santa Maria
Lá pertinho de Ibiraci no esta do de Minas Gerais
Tem a fazenda Santa Maria muito rica de gado e cereais
Se estande no alto da serra a visão de grande cafezais
À tardinha o sol se esconde na cercania dos coqueirais
Coração que nunca suspirou se prende no peito e sofre demais, ai, ai, ai
Nessa hora então se assiste o retorno de muitos pardais
Procuram a ramagens dos ninhos nas mangueiras e nos roseirais
As galinhas vão se empuleirando e os pombos buscam seus pombais
Vaga-lumes circulando o brejo, das estrelas são sérios rivais
Um curiango no meio da estrada cantando doído soluça demais, ai, ai, ai
Um poeta sentindo saudade também canta os seus madrigais
Dirigindo olhares para lua num lamento tão cheio de ais
A poesia vai tomando conta envolvendo sentidos pessoais
Os rochedos parecem que acenam para as água que buscam os cais
Eu me lembro de um roto risonho que disse-me adeus e não vi jamais, ai, ai, ai
Vou falar de uma ilustre família estimada por muitos casais
São os donos da Santa Maria, são orgulho de seus ancestrais
O Lulu com a senhora Meire, tem agrados excepcionais
Toda vez que a gente se encontra só se fala de bons ideais
Se um dia me chama a saudade eu mudo de terra e não volto mais, ai, ai, ai