O Melhor Da Viola (ATR 11207) - (1988) - João Mulato e Douradinho

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Ferreirinha
Eu tinha um companheiro por nome de Ferreirinha
Nós lidávamos com boiada desde nós dois rapazinhos
Fomos buscar um boi brabo no campo do Espraiadinho
Eram vinte e oito quilômetros as cidade de Pardinho
 
Nos chegamos no tal campo cada um seguiu pra um lado
Ferreirinha foi num potro redomão muito cismado
Já era de tardezinha eu já estava bem cansado
Não encontrava o Ferreirinha nem o tal boi arribado
 
Naquilo avistei o potro que vinha vindo assustado
Sem arreio e sem ninguém fui ver o que tinha se dado
Encontrei o Ferreirinha numa restinga deitado
Tinha caído do potro e andou pro campo arrastado
 
Quando avistei Ferreirinha meu coração se desfez
Eu rolei do meu cavalo com tamanha rapidez
Chamava ele por nome, chamei duas ou três vezes
E notei que estava morto pela sua palidez
 
Pra deixar meu companheiro é coisa que eu não fazia
Deixar naquele deserto alguma onça comia
Estava ali só eu e ele Deus em nossa companhia
Venho muitos pensamentos só um é que resolvia
 
Pra levar meu companheiro veja o quanto eu padeci
Amarrei ele pro peito e numa árvore eu suspendi
Cheguei meu cavalo em baixo e na garupa desci
E com o cabo do cabresto eu amarrei ele em mim
 
Sai pra aquelas estradas tão triste, tão amolado
Era um frio do mês de junho seu corpo estava gelado
Já era uma meia noite quando eu cheguei no povoado
Deixei na porta da igreja e fui chamar o delegado
 
A morte deste rapaz mais que eu ninguém sentiu
Deixei de lidar com gado minha inclinação sumiu
Quando lembro esta passagem franqueza me dá arrepio
Parece que a friagem das costas ainda não saiu

Boi Soberano
Me lembro e tenho saudade do tempo que vai ficando
Do tempo de boiadeiro que eu vivia viajando
Eu nunca tinha tristeza vivia sempre cantando
Mês e mês cortando estrada no meu cavalo ruano
Sempre lidando com gado desde de a idade de quinze anos
Não me esqueço dum transporte seiscentos bois cuiabanos
No meio tinha um boi preto por nome de Soberano
 
Na hora da despedida o fazendeiro foi falando
Cuidado com esse boi que nas guampas é leviano
Esse boi é criminoso já me fez diversos danos
Tocamos pela estrada naquilo sempre pensando
Na cidade de Barretos na hora que eu fui chegando
A boiada estouro, ai só via gente gritando
Foi mesmo uma tirania na frente ia o Soberano
                                  
O comércio da cidade as portas foram fechando
Na rua tinha um menino de certo estava brincando
Quando ele viu que morria de susto foi desmaiando
Cuitadinho debruçou na frente do Soberano
O Soberano parou ai, em cima ficou bufando
Rebatendo com o chifre os bois que vinham passando
Naquilo o pai da criança de longe vinha gritando
 
Quando viu seu filho vivo e o boi por ele velando
Caiu de joelho por terra e para Deus foi implorando
Salve meu anjo da guarda deste momento tirano
Quando passou a boiada o boi foi se retirando
Veio o pai dessa criança me comprou o Soberano
Esse boi salvou meu filho ninguém mata o Soberano

Violeiro Solteiro
Por eu ter notícia de um bom cantador
E uma linda moça de nosso interior
Pediu que eu cantasse ao menos por favor
Nem que fosse uns versos dos mais inferior
Respondi pra ela eu não sou professor
Tudo quanto eu canto tem pouco valor
Mas meus versos servem pra acalmar a dor
De um peito que sofre ingratidão de amor
 
Afinal de contas fiz o seu mandado
Cantei um versinho muito bem cantado
Ela agradeceu com muitos agrados
Eu fiquei contente fiquei obrigado
Cantei um versinho do cabelo ondeado
Ela também tinha o cabelo cacheado
Deu cinco suspiros e me chamou de um lado
Perguntou se eu era solteiro ou casado             
 
Por isso que eu digo que um rapaz solteiro
Pra gozar a vida deve ser violeiro
Viajar embarcado sem gastar dinheiro
Se quer namorada tem até milheiro
Entra no salão com os olhos morteiros
O cantar sereno de dois companheiros
Na mais bonitinha bate o desespero
Da meia-noite em diante tá no cativeiro             
 
Menina, menina você se periga
Deixe de bobagem largue mão de intriga
Casar com violeiro é pra viver de briga
Você se aborrece da própria cantiga
Pra largar não pode porque Deus castiga
Pois eu sou violeiro e não faz mal que eu diga
Tome meus conselhos avise suas amigas
Que toque de viola não enche a barriga             
 
Eu falo a verdade não é intimação
Nas festas que eu pego a viola na mão
Canto alguma moda é por inclinação
Toco na turina responde o bordão
Dois peitos serenos dentro do salão
Já vê as morenas mudar de feição
Por que meus versinhos doem no coração
Quem sofre nervosa morre de paixão

Um Pouco Da Minha Vida
Eu morei numa fazenda que mais feia não havia
Era uma furna de serra que de serração cobria
Só depois de nove horas que o sol aparecia
E pra onde a gente olhava só montanhas que se via
Lá pras bandas do poente como sufocava a gente quando à tardinha morria
 
O lugar era assombrado minha mãe sempre dizia
Que certas horas da noite um gemido se ouvia
Era um ai, ai tão triste que no quintal se expandia
Minha mãe ai lembrar disso ela conta e se arrepia
Não tinha vizinho perto vejam que lugar deserto de nós só Deus que sabia
 
Não muito longe de casa um piquete existia
Onde meu pai conservava as nossas vacas de cria
Era preciso cuidado quando um bezerro nascia
Devido ter muitos lobos por aquelas cercanias
Lembro-me bem como era o uivado dessas feras na solidão se perdia
 
Eu ainda era criança quase pra nada servia
Mas tirava dose e meia na enxada todo dia
O meu joguinho de malha era o que mais me entretia
Até que meus pais mudaram era assim que eu vivia
Hoje eu moro na cidade, mas recordo com saudade minha velha moradia

Ingrata
Contratei a ventania que vai pras banda do oeste
E mandei notícias minhas pra um amor que me conhece
O vento foi e voltou resposta não aparece
Não sei se ela ainda me ama ou se talvez já me esquece
 
Cada vez que lembro dela o meu coração padece
Pego na viola de pinho com franqueza me aborrece
O peito geme e soluça a minha voz enrouquece
É bem triste a gente amar alguém que não reconhece
 
Aqui no bairro onde eu moro toda vez que amanhece
O cantar dos passarinhos é como um hino celeste
Me faz lembrar o passado água dos meus olhos descem
Minha vida é como as folhas que caindo se apodrecem

Conforme o tempo se passa meus cabelos embranquecem
Abandono e sofrimento é o que a sorte me oferece
Ingrata vou me ausentar da minha vida terrestre
Dou-lhe um derradeiro adeus e você dai-me uma prece

Boiadeiro Punho De Aço
Me criei em Araçatuba laçando potro e dando repasso
Meu velho pai pra lidar com boi desde pequeno guiou meus passos
Meu filho o mundo é uma estrada cheia de atalho e tanto embaraço
Mas se você for bom no cipó na vida nunca terás fracasso

Com vinte anos parti foi na comitiva de um tal Inácio
Senti um nó me apertar à garganta quando meu pai me deu um abraço
Meu filho Deus lhe acompanhe são esses os votos que eu lhe faço
E como prêmio do teu talento lhe presenteio com este meu laço

Por este Brasil afora fiz como faz as nuvens no espaço
Vaguei ao léu conhecendo terras sempre ganhando dinheiro aos maços
Meu cipó em três rodias cobria a anca do meu Picasso
Foi o que me garantiu o nome de boiadeiros punho de aço

De volta pra minha terra viajava a noite com o mormaço
Naquilo eu topei com uma boiada beirando rio vinha passo a passo
Um grito de boiadeiro pedindo ajuda cortou espaço
Eu vi que o peão que ia rodando saltei no rio com o meu Picasso

A correnteza era forte tirei o cipó da chincha do macho
E pelo escuro ainda consegui laçar o peão por um dos seus braços
Ao trazer ela na praia meu coração se fez em pedaço
Por um milagre que Deus mandou salvei meu pai com seu próprio laço

Cabelos Cor De Prata
Me lembro e tenho saudade do tempo que eu fui solteiro
Lá no estado de Minas fui um grande catireiro
Eu digo com vaidade minha doce mocidade
Hoje só resta saudade daqueles tempos primeiro ai

Lá na minha redondeza fui o melhor violeiro
Eu não vencia os convites que me mandavam os festeiros
Em toda festas que eu ía o povo todo sabia
Que o fandango amanhecia onde cantava o mineiro ai

O tempo foi se passando meus cabelos embranqueceram
Com o decorrer da idade minhas pernas enfraqueceram 
Cantar assim se desgosta, mas de ouvir a gente gosta
Já tenho na minhas costas mais de cinquenta janeiros ai

Meus colegas de função alguns desapareceram
Uns deixaram por velhice e outros porque morreram
Só resta eu desta data meus cabelos cor de prata
Moro na borda da mata ausente dos companheiros ai

Travessia Do Araguaia 
Naquele estradão deserto uma boiada descia
Pras bandas do Araguaia pra fazer a travessia
O capataz era um velho de muita sabedoria
As ordens eram severas e a peonada obedecia  
 
O ponteiro moço novo muito desembaraçado
Mas era a primeira viagem que fazia pra estes lados
Não conhecia os tormentos do Araguaia afamado
Não sabia que as piranhas eram um perigo danado     
 
Ao chegarem na barranca disse o velho boiadeiro
Derrubamos um boi n’água deu a ordem ao ponteiro
Enquanto as piranhas comem temos que passar ligeiro
Toque logo este boi velho que vale pouco dinheiro
 
Era um boi de aspa grande já roído pelos anos
O coitado não sabia do seu destino tirano
Sangrando por ferroadas no Araguaia foi entrando
As piranhas vieram loucas e o boi foram devorando
 
Enquanto o pobre boi velho ia sendo devorado
A boiada foi nadando e saíram do outro lado
Naquelas verdes pastagens tudo estava sossegado
Disse o velho ao ponteiro pode ficar descansado       
 
O ponteiro revoltado disse que barbaridade
Sacrificar um boi velho pra que esta crueldade
Respondeu o boiadeiro aprenda esta verdade
Que Jesus também morreu pra salvar a humanidade

Velho Peão
Levantei um dia cedo sentei na cama chorando
Meu velho tempo de peão nervoso eu fiquei lembrando
Senti uma dor no peito igual brasa me queimando
Ouvi uma voz lá fora parece que me chamando
Eu tive um pressentimento que a morte na voz do vento ali estava me chamando
 
Eu saí lá pro terreiro lembrei nas glórias passadas
Me vi montado num potro correndo nas invernadas
Também vi um lenço acenando de alguém que foi minha amada
Que há tempo se despediu pra derradeira morada
Tive um desgosto medonho ao ver que tudo era um sonho e hoje não sou mais nada
 
Pobre de quem nesta vida na velhice não pensou
Ao me ver velho e doente um filho me amparou
Recebo tanta indireta da nora que não gostou
E meu netinho inocente chorando já me falou
A mamãe já deu estrilo diz que aqui não é asilo, mas eu gosto do senhor
 
Neste meu rosto cansado queimado pelo mormaço
Duas lágrimas correram no espelhos do meu fracasso
É o prêmio de quem na vida não quis acertar o passo
Abri os olhos muito tarde quando eu já era um bagaço
Vejam só a situação de que foi o rei dos peões hoje não pode com um laço
 
À Deus eu fiz uma prece pedindo pros companheiros
Que perdoe todas as faltas deste peão velho estradeiro
Quando eu deixar este mundo meu pedido derradeiro
Desejo ser enterrado na sombra de um anjiqueiro
Pra ouvir de quando em quando as boiadas ali passando e os gritos dos boiadeiros

Terra Roxa
Um grã-fino num carro de luxo parou em frente de um restaurante
Faz favor de trocar mil cruzeiros, afobado ele disse para o negociante
Me desculpe que eu não tenho troco, mas aí tem freguês importante
O grã-fino foi de mesa em mesa e por uma delas passou por diante
Por ver um preto que estava almoçando num traje esquisito num tipo de andante
Sei dizer que o tal mil cruzeiro ali era dinheiro para aqueles viajantes, ai, ai
 
Negociante falou pro grã-fino esse preto eu já vi tem trocado
O grã-fino sorriu com desprezo o senhor não tá vendo que é um pobre coitado
Com a roupa toda amarrotada e um jeito de muito acanhado
Se esse cara for alguém na vida então eu serei presidente do estado
Desse mato aí não sai coelho e para o senhor fico muito obrigado
Perguntar se esse preto tem troco é deixar o caboclo muito envergonhado, ai,ai
 
Nisso o preto que ouviu a conversa chamou o moço de um educado
Arrancou da guaiaca um pacote com mais de umas cem cor de abóbora embolado
Uma a uma jogou sobre a mesa me desculpe não lhe ter trocado
O grã-fino sorriu amarelo, na certa o senhor deve ser deputado
Pela cor avermelhada essas notas parece dinheiro que estava enterrado
Disse o preto não arregale o olho é apenas um restolho do que eu tenho empatado, ai, ai
 
Estas notas vermelhas de terra é de terra pura amassa-pé
Foi aonde eu plantei a sete anos duzentos e oitenta mil pés de cafés
Essa terra que a água não lava que sustenta o Brasil de pé
Você estando montado nos cobre nunca falta amigo e algumas mulheres
É com elas que nós importamos os tais cadilak, ford, chevrolet
Pra depois os mocinhos grã-finos ficar se exibindo que nem coronel, ai, ai
 
O grã-fino pediu mil desculpas rematou meio desenxabido
Gostaria de arriscar a sorte onde está esse imenso tesouro escondido
Isso é fácil respondeu o preto se na enxada tu for sacudido
Terra lá é a peso de ouro e o seu futuro estará garantido
Essa terra é abençoada por Deus não é propaganda lá não fui nascido
É no estado do Paraná aonde que está meu ranchinho querido, ai, ai

Herói Sem Medalha 
Sou filho do interior do grande estado mineiro
Fui um herói sem medalha na profissão de carreiro
Puxando tora do mato com doze bois pantaneiros
Eu ajudei desbravar nosso sertão brasileiro     
Sem vaidade eu confesso do nosso imenso progresso eu fui um dos pioneiros
 
Veja como o destino muda a vida de um homem
Uma doença malvada minha boiada consome
Só ficou um boi mestiço que chamava lobisomem
Por ser preto igual carvão foi que eu pus esse nome
Em pouco tempo depois eu vendi aquele boi pros filhos não passar fome
 
Aborrecido com a sorte dali resolvi mudar
E numa cidade grande com a família fui morar
Por eu ser analfabeto tive que me sujeitar
Trabalhar no matadouro para o pão poder ganhar
Como eu era um homem forte nuqueava gado de corte pros companheiros sangrar
 
Veja só a nossa vida como muda de repente
Eu que às vezes chorava quando um boi ficava doente
Ali eu era obrigado matar a rês inocente
Mas certo dia o destino me transformou novamente
O boi da cor de carvão pra morrer na minha mão estava na minha frente
 
Quando eu vi meu boi carreiro não contive a emoção
Meus olhos encheram d’água meu pranto caiu no chão
O boi me reconheceu e lambeu a minha mão
Sem poder salvar a vida do boi de estimação
Pedi a conta e fui embora desisti na mesma hora desta ingrata profissão

Rei Do Gado
Num bar de Ribeirão Preto eu vi com meus olhos essa passagem
Quando champanhe corria a rodo no alto meio da granfinagem
Nisto chegou um peão trazendo na testa o pó da viagem
Pediu uma pinga para o garçom, que era pra rebater a friagem

Levantou um almofadinha e disse pro dono não tenho fé
Quando um caboclo que não se enxerga num lugar desses vem por os pés
Senhor que é o proprietário deve barrar a entrada de qualquer
E principalmente nesta ocasião que está presente o rei do café

Foi uma salva de palmas e gritaram viva pro fazendeiro
Que tem milhões de pés de cafés por este rico chão brasileiro
Sua safra é uma potência em nosso mercado e no estrangeiro
Portanto veja que este ambiente não é pra qualquer tipo rampeiro

Com um modo bem cortês responde o peão pra rapaziada
Esta riqueza não me assusta, topo e aposto qualquer parada
Cada pé do seu café eu amarro um boi da minha boiada
E pra encerrar o assunto eu garanto que ainda sobra boi na invernada

Foi um silêncio profundo o peão deixou o povo mais pasmado
Pagando a pinga com mil cruzeiros disse ao garçom pra guardar o trocado
Quem quiser meu endereço nem é preciso ser anotado
É só chegar lá em Andradina e perguntar pelo rei do gado

Músicas do álbum O Melhor Da Viola (ATR 11207) - (1988)

Nome Compositor Ritmo
Ferreirinha Carreirinho Moda De Viola
Boi Soberano Carreirinho / Izaltino G. De Paula / Pedro L. De Oliveira Moda De Viola
Violeiro Solteiro Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Um Pouco De Minha Vida Dino Franco Moda De Viola
Ingrata Dino Franco / João Caboclo Moda De Viola
Boiadeiro Punho De Aço Pereira / Teddy Vieira Moda De Viola
Cabelos Cor De Prata Zé Carreiro / Carreirinho Moda De Viola
Travessia Do Araguaia Dino Franco / Décio Dos Santos Moda De Viola
Velho Peão Teddy Vieira / Sulino Moda De Viola
Terra Roxa Teddy Vieira Moda De Viola
Herói Sem Medalha Sulino Moda De Viola
Rei Do Gado Teddy Vieira Moda De Viola
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